“No Útero Não Existe Gravidade”, segundo livro da escritora caririense Dia Nobre, foi lançado em maio de 2021 pela editora Penalux e traz, ao longo de 122 páginas, contos e textos curtos carregados pela linguagem poética que já é característica da escrita da autora.
Composto por textos híbridos, é uma obra que não se encaixa em nenhuma definição de gênero literário, porque segundo a própria autora “livro é o que o leitor diz que é”. Sendo assim, nos deparamos com um texto fragmentado com relatos não lineares de uma protagonista marcada por traumas de abandonos, relacionamentos abusivos, perdas e principalmente de uma relação conflituosa com a mãe, que, mesmo morta, está impregnada nas ações e escolhas da filha.
“mamãe é tão divertida,
espero que ela morra”.
Em “No Útero Não Existe Gravidade” é possível perceber o amadurecimento da protagonista inclusive através da linguagem. De início somos introduzidos a uma criança atravessada por perdas: da avó, aos cinco anos; de Esperança, a vizinha da frente; de seu melhor amigo, que se matou com a corda no pescoço; da professora por quem se apaixonou. Ao mesmo tempo que passa por enfrentamentos de abusos sexuais por homens mais velhos e abusos psicológicos por uma mãe narcisista.
“porque você não aguenta me ver livre? livre? não se pode ser livre quando se é sustentada! seria o que a mãe teria respondido se tivesse me ouvido (…)
nós só viramos gente de verdade quando podemos viver sozinhas”.
À medida que essa menina cresce, fica notável os efeitos que esses abusos e abandonos maternos lhe causaram. Essa protagonista torna-se uma pessoa desconfiada e insegura, sempre em busca de acolhimento, e a todo momento tenta substituir a falta da mãe por outras mulheres, seja irmã, avó, professora, ou até mesmo a própria gata, que aparece na narrativa como objeto para trazê-la de volta à realidade.
“No Útero Não Existe Gravidade” estabelece uma relação com a fluidez da água, sendo um dos temores da protagonista que se derrama em líquidos, através de suas lágrimas, sangue, urina e até mesmo do próprio nascimento, uma vez que a barriga da mãe é um universo de água onde o feto não sofre com peso da gravidade e sua saída de lá é feita através da água que estoura da bolsa da mulher.
Dia Nobre apresenta uma obra intimista de autoficção, partindo de algumas de suas próprias memórias para construção dos caminhos trilhados por essa protagonista. É uma narrativa que desperta o questionamento acerca da maternidade, desconstruindo a imagem romantizada criada por uma sociedade patriarcalista da mulher como um ser sagrado, que tem sua individualidade apagada a partir do momento em que gera outro ser. Para além de mãe, a mulher é um sujeito histórico-social.
É um livro profundo e dolorido, marcado pela melancolia de uma mulher que é várias dentro de si. E, apesar de curto, exige tempo para ser lido e digerido.
Fonte: “No Útero Não Existe Gravidade”, de Dia Nobre – Guaratinguetá, SP: Penalux, 2021.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.
Não vi o prefácio desse livro porém a autora com certeza escolheria esse comentário para adota-lo.
Muito bom.