Mulher no Espelho é o primeiro romance da escritora soteropolitana Helena Parente Cunha, romancista, ensaísta, contista, tradutora e poeta. Autora de quatro romances, seis livros de poemas, cinco de contos e nove de ensaios, Helena, que em grego significa luz, coloca a mulher na condição de protagonista de sua própria narrativa, buscando encontrar sua identidade esfacelada por uma sociedade que acolhe os homens e reprime as mulheres e seus desejos.
A obra analisada ficou em segundo lugar no Concurso Nacional de Romance – Prêmio Cruz e Souza, no ano de 1982. Ainda não conheço a obra ganhadora, mas certamente é fascinante, porque Mulher no Espelho é um livro forte, com uma linguagem fluída, temática atual – a condição da mulher em uma sociedade patriarcalista – que nos leva a pensar no casamento, no papel da família, na criação dos filhos e, especialmente, na imagem que criamos de nós mesmas, naquela criada por quem nos olha, sobretudo, na que gostaríamos de ser.
Mulher no Espelho é, para mim, um livro-caixa de pandora. Quando você o abre, depara-se com uma multiplicidade de emoções – cólera, submissão, dor, ilusão, ressentimento, repressão – de duas mulheres: a que está diante do espelho e a mulher que escreve. Ou seja, estamos diante de um diálogo intimista de uma mulher diante do espelho, objeto que reflete o que está escondido em seu interior, e sua consciência.
A primeira tem 46 anos de idade, é casada e não trabalha. Sua missão é cuidar do marido e dos três filhos (homens). Nasceu e cresceu no seio de uma família que a fez acreditar que, quanto mais obediente fosse ao pai e, depois de casar-se, ao marido, alcançaria a felicidade matrimonial. Convive com o sentimento de frustração, mas busca a todo custo se convencer do contrário.
A segunda confronta a mulher diante do espelho e lhe diz as verdades mais cruéis, que escondemos debaixo do tapete, que fingimos não existir, porque a dor da descoberta de si é muitas vezes dolorosa. Por isso, muitos de nós procuramos viver entre a ilusão e os subterfúgios.
O foco narrativo é múltiplo: em primeira pessoa (Mulher no espelho) e em terceira pessoa (Mulher que escreve). É usado o recurso estético, fonte itálica, para diferenciar a fala de ambas. A mulher que escreve é a consciência da primeira. É a voz que a outra teima em não escutar desde criança, porque tinha medo dos sentimentos que fervilham dentro de si: raiva do pai repressor e violento (que não a deixava sair com as amigas, usar batom) e ciúme do irmão mais novo (que roubou a atenção e o colo que antes fora somente seu). Além dessas duas mulheres, há a autora, que não sabemos “quem é. Não entra na estória. Ou entra?”. Não, não entra, pois, a mulher que escreve assume a função de escritora.
Ambas não têm nome, porque poderiam ser qualquer uma das mulheres do século XXI, mesmo que a obra tenha sido escrita na década de 1970, que acreditam que para se ter uma família (feliz), é preciso se sacrificar. Da mesma forma que a mãe da mulher no espelho a ensinou que ela não deveria reclamar do marido, dos filhos, manter a casa sempre organizada, estar linda e com um sorriso no rosto no final do dia, muitas outras, em nossos tempos, acreditam nesta teoria para se realizarem enquanto esposa e mãe. Ledo engano!
No fim da narrativa, o espelho se quebra e as duas mulheres descobrem suas identidades que haviam sido oprimidas por uma sociedade machista, tirânica e conservadora tão presente em nossos dias.
Sobre a autora:
Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler