“(…)
Cecília, és tão forte e tão frágil
Como a onda ao termo da luta.
Mas a onda é água que afoga:
Tu, não, és enxuta.
Cecília, és, como o ar,
Diáfana, diáfana.
Mas o ar tem limites:
Tu, quem te pode limitar?
(…)”
(BANDEIRA, 1945)
Os versos escritos em outubro de 1945, são do poema Improviso, do poeta pernambucano Manuel Bandeira, em homenagem à escritora, pintora, jornalista, professora e poeta Cecília Meireles, a “primeira voz feminina de grande expressão na Literatura Brasileira”.
Nascida em 07 de novembro de 1901, no Rio de Janeiro, Cecília Benevides de Carvalho Meireles se consolidou como poeta na segunda fase do Modernismo brasileiro, embora sua poesia não possa ser classificada em uma escola literária, uma vez que apresenta características classicistas, românticas, parnasianas e simbolistas, como o seu primeiro livro, Espectros, publicado em 1919, quando ela ainda tinha 18 anos.
Desde muito cedo teve que lidar com a perda como uma pedra no meio do caminho. Três meses antes do seu nascimento, perdeu o pai. Três anos depois, foi a vez da morte levar a sua mãe. Na década de 30, perdeu o primeiro marido, que se suicidou quatro anos depois do falecimento de Jacinta Garcia Benevides, avó de Cecília (que a criou, em decorrência das mortes de seus pais), para quem a poeta escreveu uma Elegia 1933 – 1937, dividida em oito partes em que ela diz:
“(…)
Neste mês, abrem-se cravos de perfume profundo e obscuro;
a areia queima, branca e seca,
junto ao mar lampejante:
de cada fronte desce uma lágrima de calor.
Mas tudo é inútil,
porque estás encostada à terra fresca,
e os teus olhos não buscam mais lugares
nesta paisagem luminosa,
e as tuas mãos se arredondam já
para a colheita nem para a carícia
Neste mês, começa o ano, de novo,
e eu queria abraçar-te.
Mas tudo é inútil:
eu e tu sabemos que é inútil que o ano comece”.
Para a poeta norte-americana Elizabeth Bishop, “a arte de perder não era nenhum mistério”, tampouco foi para Cecília Meireles, que transformou suas dores em arte. O Motivo? “Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa/ não sou alegre nem sou triste:/ sou poeta“.
Sua produção literária abrange, além da poesia, crônicas e poemas direcionados à literatura infantil. Sua atuação como educadora e ativista defensora de uma educação pública, laica e de qualidade lhe renderam grandes feitos: foi uma das fundadoras do movimento Escola Nova no Brasil, que propunha a renovação do ensino médio; foi também, em 1934, ao lado de seu marido, Fernando Dias, a criadora do Centro de Cultura infantil, primeira biblioteca do Rio de Janeiro, direcionada às crianças, que foi fechada (em 1937), pelo então presidente, Getúlio Vargas, a quem Cecília se opunha publicamente.
Nas décadas de 30 e 40, atuou como jornalista, escrevendo crônicas para o Diário de Notícias e para o jornal A Manhã, acerca de temáticas relacionadas à educação, à literatura infantil, à formação de professores, que em 2001, foram reunidas (mais de 700 trabalhos), e publicadas com o título de Crônicas de Educação.
Cecília Meireles, “a mulher de canto lindo, (que) ajuda o mundo a sonhar com o canto que a vai matando”, teve mais de 50 obras publicadas (em vida e postumamente), pôs-se a cantar a própria “pena com uma palavra tão doce, de maneira tão serena”, e foi a primeira mulher a ganhar o prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras (ABL), pelo seu livro Viagem (1937). E, como a “cigarra queimando-se em música”, dizia “também vou morrer de cantar”.
Em seu poema Desenho (1973), Cecília Meireles diz que “somos sempre um pouco menos do que pensávamos. Raramente, um pouco mais”. Palavras reconfortantes na aceitação dos próprios fracassos e no respeito das próprias conquistas. Palavras essas, que se mostram muito importantes em tempos de desvalorização e desrespeito à vida e aos afetos. Que a leitura da poesia de Cecília permita-nos aprender com as primaveras (bem como ela o aprendeu) a deixarmo-nos cortar e a voltarmos sempre inteiros.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.