Euclides da Cunha, a voz dos vencidos

Formado em engenharia Civil na Escola Politécnica, Euclides da Cunha (1866 – 1909) atuou em diferentes áreas profissionais, até se consagrar um dos maiores escritores da Literatura Brasileira. Nascido em 20 de janeiro de 1866, em Cantagalo, no Rio de Janeiro, foi engenheiro militar, jornalista, ensaísta, professor, historiador e escritor. Acostumado com a arte de perder, muito cedo tornou-se órfão, criado então por tios e avós.

Por anos, Euclides da Cunha atuou no Exército Brasileiro, trabalhou na administração da Estrada de Ferro Central do Brasil, serviu à Diretoria de Obras Militares e, como primeiro tenente, lecionou na Escola Militar. Como jornalista, colaborou com o jornal Estado de São Paulo, principalmente durante a Guerra de Canudos, quando viajou para a Bahia, em 1897, na comitiva do ministro da guerra, Marechal Bittencourt (1840-1897), para atuar como correspondente dos conflitos entre o exército e os sertanejos.

A Guerra de Canudos, um dos maiores massacres contra o povo brasileiro, começou em novembro de 1896, quando os moradores do arraial fundado por Antônio Conselheiro (1830-1897), no interior da Bahia, expulsaram um grupo de policiais enviados pelo governo para ameaçá-los diante da recusa em aceitar a República recém proclamada no Brasil. A comunidade, se destacava pelos quatro cantos do sertão, atraindo pessoas pobres que buscavam melhores condições de vida. Enquanto isso, no sul do país, as notícias que se espalharam foram as de habitantes fortemente armados com fuzis e canhões, liderados por um beato raivoso que pretendia restaurar o Império.

Foi com essa impressão sobre a comunidade e com ideais abolicionistas, que Euclides da Cunha viajou a Canudos para se deparar com uma realidade completamente diferente da que era narrada nos jornais:

 “A urbs monstruosa, de barro, definia bem a civitas sinistra do erro. O povoado novo surgia, dentro de algumas semanas, já feito ruínas. Nascia velho. Visto de longe, desdobrado pelos cômoros, atulhando as canhadas, cobrindo área enorme, truncado nas quebradas, revolto nos pendores — tinha o aspecto perfeito de uma cidade cujo solo houvesse sido sacudido e brutalmente dobrado por um terremoto.

Não se distinguiam as ruas.

[…]

Quando o olhar se acomodava à penumbra daqueles cômodos exíguos, lobrigava, invariavelmente, trastes raros e grosseiros: um banco tosco; dois ou três banquinhos com a forma de escabelos; igual número de caixas de cedro, ou canastras; um jirau pendido do teto; e as redes. Eram toda a mobília. Nem camas, nem mesas.”

Cinco anos depois, em 1902, os escritos e anotações de Euclides da Cunha do seu período como correspondente da Guerra de Canudos, se transformaram em Os Sertões, publicação que consagrou sua carreira de escritor. A obra, que abre o período do Pré-modernismo brasileiro, é uma denúncia das mazelas e desigualdades sociais do sertão, e do genocídio de uma comunidade pobre no interior baiano. Retrata os detalhes da trajetória de Antônio Conselheiro durante a guerra, num trabalho que reúne os panoramas geográfico, sociológico, antropológico e documental, aliando fatos históricos, políticos e econômicos à literatura.

Euclides da Cunha foi responsável pela mudança de consciência em relação à história de Canudos, gravada até hoje na memória do povo brasileiro e presente no imaginário do sertanejo que se comove com a braveza de seus conterrâneos:

“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados”.

Após a publicação de Os Sertões, Euclides da Cunha foi eleito, em 1903, para ocupar a cadeira n° 07 da Academia Brasileira de Letras (ACL). Sua primeira publicação foi em 1884, um artigo para o jornal O Democrata, que fundou ao lado de outros colegas.

O autor de Contrastes e Confrontos (1907), Peru versus Bolívia (1907), À Margem da História (1909) e Amazônia (1909), teve uma morte trágica, em 1909, quando foi armado à casa de Dilermando de Assis, amante de sua esposa Anna Emília Ribeiro, mas foi surpreendido pelos disparos feitos pelo rapaz, acontecimento que ficou conhecido por “Tragédia da Piedade”.

Em Os Sertões, Euclides da Cunha deu voz aos vencidos na Guerra de Canudos. A frase “o sertanejo é, antes de tudo, um forte” tornou-se uma parte do inconsciente povo do nordestino, um “grito de guerra” em nossa luta contra o preconceito e um ditado àqueles que são obrigados a viver longe de sua terra.

Fonte:
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Jandira, SP: Principis, 2020.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro
Shirley Pinheiro

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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