A perseguição do feminino vem desde de tempos muito remotos. Entre os séculos XVI e XVII, centenas de mulheres foram mortas durante a “caça às bruxas” sustentada pelo catolicismo e patriarcalismo vigente. No século XXI, centenas ainda são mortas diariamente por seus companheiros, familiares e até desconhecidos, pelo simples fato de serem mulheres.
Se hoje coisas básicas como votar, estudar, usar calças e casar por decisão própria, com o parceiro ou parceira que quiser (ou simplesmente não casar) são direitos conquistados a duras penas por nós mulheres, devemos às gerações anteriores que não se contentaram com as condições que lhes foram socialmente impostas e, através do Feminismo e suas vertentes, levantaram voz frente ao patriarcalismo, ao machismo e ao capitalismo, como afirma a teórica Silvia Federici – “as mulheres foram o principal alvo dessa perseguição, uma vez que foram elas as mais severamente empobrecidas pela capitalização da vida econômica e que a regulação da sexualidade e da capacidade reprodutiva delas foi a condição para a construção de formas rígidas de controle”.
São mulheres que assumiram o papel pioneiro de levar suas semelhantes a esferas sociais que não tinham acesso. A título de exemplo, temos a escritora, professora e advogada Henriqueta Galeno, que transgrediu os limites que lhe foram ditados e se tornou destaque em espaços reservados aos homens.
Nascida em 23 de janeiro de 1887, em Fortaleza, capital cearense, uma sociedade em que a mulher era educada para cuidar do lar, do marido e dos filhos, Henriqueta Galeno abriu mão do casamento pelos estudos, pela formação acadêmica e pela independência financeira. Durante o curso normal, foi a primeira garota a estudar no Liceu, colégio de maior prestígio no ensino secundário do Ceará na época, que, até então, só tinha formado meninos. Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais, seu pioneirismo se estende também à Faculdade de Direito do Ceará, por se tornar, em 1914, a primeira mulher a frequentar esse espaço acadêmico.
Mas Henriqueta Galeno não se livrou completamente das limitações de seu gênero. Em 1919, em sua festa de formatura, foi convidada pelo presidente do estado do Ceará, Dr. João Tomé de Saboia, a assumir o cargo de promotora pública da capital, no entanto foi impedida pelo pai, que temia que a filha perdesse a “honra”. Atuou então como professora por mais de três décadas, pois, ao contrário da promotoria, o magistério era “lugar de mulher”.
Oriunda de família abastada, Henriqueta Galeno teve, em sua vida, grande influência do seu pai, o poeta Juvenal Galeno, o qual Mozart Soriano Aderaldo chamava de “o velho bardo das Lindas Canções Populares”. Ainda em 1919, sob orientação do pai, Henriqueta fundou e dirigiu o Salão Juvenal Galeno, que mais tarde passou a se chamar Casa de Juvenal Galeno, que abriga a Ala Feminina, Academia de Letras Juvenal Galeno (ALJUG) e inúmeras outras instituições literárias.
Membro da Academia Cearense de Letras, ocupante da cadeira nº 23, Henriqueta Galeno foi poetisa e ensaísta, defendia a igualdade entre mulheres e homens nos cenários políticos, sociais, econômicos e culturais e grande difusora dos ideais feministas. Uma mulher pioneira, para nos inspirar em nossa luta por uma sociedade mais justa e igualitária.
Fontes:
FEDERICI, Silvia. Mulheres e caça às bruxas: da Idade Média aos dias atuais. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2019.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.