Elizabeth Bishop veio para o Brasil em 1951, aos 40 anos, em uma viagem de navio pela América do Sul. Sua estadia nas terras cariocas estava programada apenas para algumas semanas de visita a uma velha amiga, Mary Morse, que vivia no Rio de Janeiro. No entanto, uma grave alergia adiou sua partida, e o encontro com o grande amor da sua vida estendeu, por mais de uma década, sua permanência no Brasil.
A primeira parada, em Santos (antes do destino final, na capital fluminense) rendeu-lhe um poema, “Arrival at Santos” / “Chegada em Santos“, em que Elizabeth Bishop traduz, em versos, a decepção originada pelas próprias expectativas criadas acerca do Brasil: “então é isso que esse país tão longe ao sul/ tem a oferecer a quem procura nada menos/ que um mundo diferente, uma vida melhor (…)?“.
De fato, Bishop buscava uma vida melhor. Nascida em 08 de fevereiro de 1911, em Worcester, no estado de Massachusetts, região nordeste dos Estados Unidos, teve que se acostumar desde cedo com a “arte de perder”, que mais tarde viria a se tornar tema de um dos seus poemas mais conhecidos – “One Art“/ “Uma Arte” – “A arte de perder não é nenhum mistério;/ tantas coisas contêm em si o acidente/ de perdê-las, que perder não é nada sério“. Aos oito meses de vida, perdeu seu pai, William Thomas Bishop. Cinco anos depois, começou a perder sua mãe, que entrou em profunda depressão e foi internada numa instituição até o fim de sua vida, em 1934. Elizabeth passou a viver então com sua família materna, no Canadá, e o forte laço criado com a sua avó foi mais uma perda, quando se viu obrigada a viver com seus avós paternos, de volta aos Estados Unidos.
Quando criança, Elizabeth Bishop foi uma garota solitária, suas companhias preferidas eram os livros e os discos, e sua matéria preferida na escola era Inglês. A relação íntima com a solidão, resultou em crises de alcoolismo e depressão. Foi justamente entre essas crises, que escreveu e publicou seu primeiro livro de poemas, North & South (1946), fruto de um processo de escrita doloroso e acompanhado por problemas financeiros, mas que lhe rendeu seu primeiro prêmio literário.
Elizabeth Bishop viajou o mundo, França, Espanha, Itália, Inglaterra, Canadá e Marrocos. Até sua chegada ao Brasil, já estava cansada e angustiada por não conseguir criar raízes em lugar nenhum. E foi só aqui, que ela encontrou um lugar (e pessoa) para chamar de lar, desde que foi arrancada da casa de sua avó materna.
Foi entre um apartamento no Rio e a Fazenda de Samambaia, em Petrópolis, ambos pertencidos pela arquiteta autodidata Maria Carlota Costellat Macedo Soares (Lota), “uma brasileira de muitos nomes e sobrenomes”, companheira de Mary Morse, que Bishop passou a dividir sua estadia no Brasil. Acostumada à solidão, quando se viu cercada por cuidados e preocupação após apresentar uma grave reação alérgica, provocada por um fruto até então desconhecido para ela, o caju – “seja lá o que for, o fato é que minha cabeça inchou até ficar como uma abóbora, e fiquei completamente cega” -, que não foi difícil desistir de retornar à sua vida nos Estados Unidos, quando Lota declarou sua paixão por ela. Ao que confessa em carta à sua médica sobre sua melhora (que ela atribui à Lota) em relação ao alcoolismo: “continuo tendo a sensação que morri e fui para o céu sem merecer“.
A sensação de finalmente possuir um lar, embora ainda se sentisse uma exilada, e os anos ao lado de Lota também se traduziram em versos – “Song for the Rainy Season” / “Canção do Tempo das Chuvas“, (“Oculta, oculta,/ na névoa, na nuvem,/ a casa que é nossa,/ sob a rocha magnética,/ exposta a chuva e arco-íris“); “The Shampoo” / “O Banho de Xampu“, (“No teu cabelo negro brilham estrelas/ cadentes, arredias./ Para onde irão elas/ tão cedo, resolutas?/ – Vem deixa eu lavá-lo aqui nesta bacia/ amassada e brilhante como a lua“. O romance com Lota Soares durou catorze anos. Somando a Bishop, mais uma grande perda, a arquiteta suicidou-se no apartamento da poeta, nos EUA, em 1967, algum tempo depois do fim do seu relacionamento, após a recaída da americana em crises de alcoolismo e de colapsos nervosos da brasileira advindos dos desafios que enfrentou durante a coordenação da construção do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.
Vencedora do Pulitzer Prize, em 1956, pelo livro A Cold Spring (1955), teve como mentora a poeta Marianne Moore, e uma profunda amizade com Robert Lowell, considerado o fundador da poesia confessional. Bishop atuou também como tradutora dos poetas brasileiros Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Moraes, Joaquim Cardozo e Carlos Drummond de Andrade, de quem era mais afim – “meu poeta brasileiro favorito, creio eu” -, além de alguns contos de Clarice Lispector.
A autora de Questions of Travel (1965) e Geography III (1976), Elizabeth Bishop detestava ser chamada de “a maior poetisa de sua geração”. Para ela, “o problema de ser mulher é apenas um aspecto da questão maior de ser um indivíduo; e o amor homossexual é, acima de tudo, uma das variedades da paixão amorosa” (BRITTO apud BISHOP, 2012, p. 20). Sua grandiosidade e importância para a poesia norte-americana são indiscutíveis, por isso é considerada um dos maiores nomes da poesia dos Estados Unidos, no século XX. Uma poeta para ser conhecida para além dos rótulos que carrega.
Fontes:
BISHOP, Elizabeth. Poemas escolhidos; seleção tradução e textos introdutórios Paulo Henrique Britto. – 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
OLIVEIRA, Carmen L. Flores raras e banalíssimas: a história de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.