(Muitos) Dias de Lutas, (Poucos) Dias de Glória

Luciana Bessa

A minha história e a história das minhas antepassadas foram/são marcadas por muitos dias de lutas com “pedras no meio do caminho”. Desde os primórdios, o pretenso privilégio biológico colocou o sexo masculino e feminino em posições desiguais. Ao homem coube o papel de força, de razão, de provedor do lar, sujeito dominante. À mulher, geradora de filhos e cuidadora do lar, sujeito dominado e inferior. Assim, o homem era o fim único da mulher.

Criou-se, então, a ideia de mulher mãe, mulher do lar, mulher como uma criatura frágil, mulher sonhadora e casadoira, mulher como um ser sagrado. Embora façamos parte de uma sociedade democrática e que prega a igualdade entre os sexos, na prática, os homens continuam a escrever as normas e as leis, salvo raras exceções, que regem o mundo no qual as mulheres estão inseridas. 

Neste sentido, dentro ou fora do universo literário, a mulher ficou relegada ao papel de coadjuvante, ao homem, coube a função de protagonista e/ou demiurgo das narrativas. Por isso, nós, mulheres fomos retratadas como seres indolentes, passivas, tolas, “anjos-demônios” nas palavras do poeta baiano Gregório de Matos. 

A naturalização do papel secundário da mulher, o servilismo e o fato de não frequentarem os bancos escolares e acadêmicos, ocultou a participação e a importância do sexo feminino em todas as áreas do conhecimento, especialmente, na Literatura. Logo, o cânone literário foi/é dominado por homens brancos, heterossexuais e de famílias abastadas.  

Para que a mulher conseguisse alguma representatividade muitas precisaram pagar com suas próprias vidas. Além disso, o movimento feminista começou a questionar a organização política, educacional, econômica e cultural de uma sociedade profundamente hierárquica, conservadora e autoritária. 

A mulher que nos séculos XIX e XX vestia (sem querer) o papel de filha abnegada, esposa dócil e mãe extremada conquistou, em certa medida, um espaço próprio na sociedade em pleno século XXI, afinal “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mudam-se os seres”, cantaria o bardo português, Luís Vaz de Camões. 

No meio literário, em especial o cearense, mulheres como Rachel de Queiroz abriram portas e janelas para várias outras adentrarem no seleto mundo masculino da Academia Brasileira de Letras (ABL). Depois de muitas lutas (convidada em 1922 para integrar a Academia Cearense de Letras, ACL, excluída em 1930 por ocasião de nova reorganização do grupo, candidata-se em 1937 e toma posse em 1953), Alba Valdez, finalmente, alcança a glória de ser empossada na agremiação de terras alencarinas. E depois de 124 anos de sua criação, pela primeira vez, a ACL não foi gerida por um homem. Coube à professora Ângela Gutierrez assumir a presidência da instituição, no ano de 2019. 

Em suma, o sexo feminino possui um histórico de (muitas) lutas, discriminação e negação à educação. Por meio da leitura e da escrita as mulheres adquirem senso ético, estético e, sobretudo, crítico não só para construção de sua independência econômica (principalmente), mas também para construção de sua identidade e libertação das amarras sociais. 

Que neste dia 08 de março  que se aproxima, nós mulheres, possamos continuar usando a palavra para contar as nossas narrativas e (re)contar trechos inverossímeis e caluniosos. A palavra liberta, empodera e oportuniza que as histórias assumam outras perspectivas. Que venham mais “Dias de Glória”!

Sobre a autora:

Luciana Bessa Silva

Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler

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