Cruz e Sousa, um poeta abolicionista

No Brasil, o mês de novembro é marcado por atividades e lutas antirracistas, que permeiam as resistências dos povos negros. Em 20 de novembro, o dia que relembra a morte de Zumbi dos Palmares, último líder do quilombo dos Palmares, assassinado em 1695, e data em que se celebra o dia da Consciência Negra, vi, em uma rede social, o questionamento acerca de quais pessoas pretas eram inspirações e referências, ou faziam parte do cotidiano dos seguidores do questionador. As listas de citados eram das mais longas e variadas possíveis, desde as mães dos seguidores, as vizinhas pretas, professoras, etc, a artistas e ativistas famosos (Elza Soares, Gilberto Gil, Angela Davis, etc). No âmbito de escritores e literatas, percebi que um dos nomes que mais se repetia era o do escritor Cruz e Sousa, que teria seu nascimento celebrado dali a quatro dias.

Nascido em 24 de novembro de 1861, em Florianópolis, capital de Santa Catarina, quando esta ainda era conhecida como Nossa Senhora do Desterro, Cruz e Sousa é um dos mais importantes nomes do Simbolismo brasileiro. Abolicionista, filho de negros escravizados e dono de uma obra que por vezes tocava em assuntos sobre questões sociais, como a pobreza e o preconceito racial, Cruz e Sousa também se tornou uma grande referência à população negra.

Livre

Livre! Ser livre da matéria escrava,

arrancar os grilhões que nos flagelam

e livre penetrar nos Dons que selam

a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava

dos corações daninhos que regelam,

quando os nossos sentidos se rebelam

contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,

mais junto à Natureza e mais seguro

do seu Amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,

para gozar, na universal Grandeza,

Fecundas e arcangélicas preguiças

Cruz e Sousa aprendeu a ler e escrever com a esposa do “dono” de seus pais. Dona Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, que não tinha filhos, dedicou-se à educação de seu protegido, que, em 1872, passou a frequentar o Colégio da Conceição e aprendeu francês, grego latim, matemática e ciências naturais.

Seu talento para a arte da escrita tornou-se público a partir de 1877, quando começou a publicá-los em periódicos da época. Nesse mesmo período, Cruz e Sousa era professor particular. Em 1881, fundou o seminário Colombo e dois anos  depois passou a dirigir o jornal abolicionista “O Moleque”. Em 1888, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde, em 1893, publicou seus livros Missal e Broquéis.

Como simbolista que era, a obra de Cruz e Sousa assume as características pessimista, negativa e sinestésica da época. Mas a escrita do poeta catarinense também se caracteriza pela profundidade filosófica e pela presença constante da cor branca, além da angústia metafísica e morbidez.

Poeta e abolicionista, Cruz e Souza se soma a Machado de Assis, Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, Itamar Vieira Junior, Conceição Evaristo e muitos outros escritores pretos que contribuem para a resistência negra brasileira.

Fonte:

SOUSA, Cruz e. Último sonetos. Rio de Janeiro : Editora da UFSC / Fundação Casa de Rui Barbosa / FCC, 1984.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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