Seja para quem gosta de folia ou para quem aproveita este feriado para descansar, o fato é que o carnaval é uma das expressões culturais mais festejadas e aguardadas pelos brasileiros.
Sou a típica foliã que me aproveito do carnaval para desacelerar desse cotidiano exaustivo de acordar cedo, trabalhar oito horas (no mínimo) por dia, resolver pendências domésticas e, se não bastasse, ser cobrada pela sociedade para ser simpática, gentil e bonita.
“Livre” de algumas obrigações, me concentro em mim mesma. A paz, o sono, a música e a leitura me preenchem de tal modo que, na quarta-feira de cinzas, assim como os foliões sofrem com o fim do carnaval, eu padeço com o retorno ao barulho do dia a dia. E como uma personagem clariciana, eu me torno outra que não eu mesma.
Dentre tantas leituras para esse período (quase) sabático, ao colocar na estante a obra Anarquistas, Graças a Deus (1979), Prêmio Paulista de Revelação, da escritora Zélia Gattai, resolvi abri-lo justamente no capítulo “Anarquistas Ma Non Tróppo”, em que a filha de imigrantes italianos, seu Ernesto e dona Angelina, narra sua experiência e de suas irmãs com o carnaval.
O pai, um anarquista convicto, acreditava, por exemplo, que religião era algo muito sério, por isso, cada um deveria escolher a sua. Recusava-se “a cometer a violência de impor uma de doutrina aos seus filhos, simplesmente para atender às exigências da sociedade”. Mas em relação ao carnaval, o homem liberal se transformava um pai tradicional.
Quando Zélia, Vera e Wanda, vizinhas da Avenida Paulista, foco da animação, pediam para ir ao carnaval, o pai olhava para as filhas e perguntava: “ – Vocês sabem o que significa a palavra carnavale?”. A restrição imposta às filhas era esquecida, quando se tratava dos filhos. Durante os três dias, as mulheres Gattai sofriam o diabo, com a promessa de seu Ernesto de que: “No dia em que o anarquismo triunfasse no Brasil, aí então ele soltaria as rédeas”.
Remontando a Idade Média e com a origem relacionada ao cristianismo, já que antecede os exatos quarenta e sete dias da quaresma, isto é, período litúrgico em que os cristãos se preparam para celebrar a ressureição de Cristo, o carnaval, para mim, sempre foi um momento de imersão com minha solidão. Dentro dela, me sinto liberta das amarras que a sociedade tenta nos impor.
No Brasil, o carnaval chegou no período colonial, quando os portugueses aqui aportaram entre os séculos XVI e XVII e impuseram seus ideais à população indígena.
E como mudam-se os tempos, o carnaval também mudou e, hoje, essa festa conta com blocos de ruas, desfiles de escolas de samba, cada vez mais engessados e com uma nova modalidade: venda do posto de rainha de bateria, a bailes em hotéis luxuosos, cujo ingresso de milhões, garante visibilidade midiática durante algumas semanas.
Nesse ambiente de corpos sarados, rostos enfeitados, fantasias luxuosas, importunação sexual, camarotes caríssimos, em que se misturam alegorias e adereços, só uma coisa não mudou: o desejo de permanecer escutando o barulho que há dentro de mim.
Sobre a autora:
Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler