O melhor jogo de Harry Potter já feito é apenas nota oito

Hogwarts Legacy é um jogo de videogame lançado para computador e consoles (Playstation e Xbox), em fevereiro 2023, que já era aguardado pela comunidade gamer há anos. Foi desenvolvido pela Avalanche Software, uma empresa conhecida por fazer jogos com personagens da Disney (Carros 3: Driven to Win e Disney Infinity 3.0 Edition) e publicado pela Warner Bros Interactive Entertainment, mundialmente conhecida por jogos mais adultos como as séries Mortal Kombat e Batman: Arkham City.

Inspirado na saga Harry Potter (série de livros criados por J. K. Rowling, que vendeu mais de 600 milhões de cópias no mundo todo, e que gerou oito filmes), o jogo explora o universo conhecido nos livros e vai além, trazendo uma história cativante e original, que se passa no século XIX. O game permite que os jogadores criem seu próprio personagem bruxo, com um menu de personalização limitado, mas que atende a expectativa dos fãs mais casuais.

Totalmente dublado em português do Brasil, Hogwards Legacy acerta nos pequenos detalhes de sua localização. Embora a história se passe cerca de um século antes de Harry Potter ter nascido no enredo dos filmes, alguns personagens conhecidos pelo público estão presentes no jogo, como o fantasma Nick Quase-sem-cabeça e o Chapéu Seletor. A equipe responsável pelo jogo no país tomou o cuidado de convidar os dubladores originais de cada um desses personagens, nos filmes, pra que voltassem a emprestar as suas vozes.

Em termos de jogabilidade, o jogo entrega um mundo aberto gigantesco a ser explorado (tal como os jogos de GTA), repleto de inimigos e criaturas mágicas. Porém, o destaque maior está para a representação detalhada da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwards, local muito conhecido pelos fãs da franquia. Em Hogwards Legacy, o bruxinho ou bruxinha protagonista (o jogador tem a opção de escolher o gênero de seu avatar) deve administrar as atividades de estudante de magia, com sua própria jornada do heroi, tomando cuidado pra não se perder no labirinto que é o castelo de Hogwards.

Os gráficos do game impressionam. Os ambientes são muito bem construídos, com texturas e efeitos visuais que chamam a atenção. Não é qualquer computador que consegue rodar esse jogo. As criaturas mágicas como elfos, duendes, hipogrifos e unicórnios são muito bem feitas e enchem os olhos.

A mecânica de batalha de Hogwards Legacy é uma das coisas mais satisfatórias do jogo: simples e viciante. O jogador tem em sua disposição um menu de personalização de feitiços, onde até quatro desses podem ser dispostos em botões de atalhos. Flipendo, Accio e incêndio são alguns dos poderes clássicos disponíveis, tirados diretamente dos livros da saga Harry Potter. E eles são bem intuitivos. Por exemplo, é possível acertar um inimigo com o famoso Wingardium Leviosa, fazendo ele levitar, e, em seguida, desarmá-lo com um expelliarmus. E até mesmo as maldições imperdoáveis estão disponíveis: Crucio (maldição da dor), Império (maldição do controle) e Avada Kedrava (maldição da morte). Os desenvolvedores do game nos dão a opção de escolher se queremos, ou não, aprender esses feitiços proibidos, ou até mesmo, virar um bruxo das trevas.

Quanto ao enredo, o protagonista, no caso, você (que pode ser um garoto ou garota, com um nome a sua escolha), é um bruxo que, somente aos quinze anos, entra pra Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. No universo de Harry Potter, todos os bruxinhos vão pra escola aos onze anos, logo, o porquê de um adolescente entrar em Hogwarts já no quinto ano, é um dos grandes mistérios do jogo. Chamando a atenção da escola inteira, o heroi (ou heroína, se você escolher a personagem feminina) é guiado pelo experiente professor Fig, um bruxo velhinho que está investigando a morte de sua esposa. Os dois embarcam numa aventura pra descobrir as origens do colégio, enquanto descobrem uma perigosa revolução feita pelos duendes, criaturas mágicas racionais que odeiam os bruxos. Durante a trama, você deve, também, conciliar seu tempo pra conhecer o enredo das missões que não são principais, fazer amizades, frequentar as aulas escolares e, literalmente, aprender a soltar os feitiços que facilitarão as missões da história.

O jogo é lindo e cativante, nas primeiras quinze horas. Nas próximas quinze horas de gameplay, a experiência ainda é satisfatória, uma vez que novas aulas e personagens são introduzidos (e isso é um dos pontos mais fortes do game). Porém, mais ou menos, na metade final do jogo, tudo se torna muito cansativo. As missões parecem arrastadas e as falas dos personagens, irrelevantes. Passei quarenta e nove horas jogando Hogwarts Legacy, até a sua conclusão, e posso afirmar que ele seria mais interessante se não fosse tão lento.

E essa não é uma opinião polêmica no mundo gamer, basta pesquisar as discussões na internet. O game é maravilhoso, principalmente, pra quem é fan da saga Harry Potter, mas não é um GOTY (expressão muito comum na comunidade gamer pra indicar que uma obra é o jogo do ano, ou, em inglês, “Game Of The Year”). Bem diferente de quando The Last Of Us Part II foi lançado e trouxe uma enxurrada de opiniões polarizadas. Naquele jogo, a crítica negativa, no geral, veio de parte do público pagante. Enquanto uma parte amou a obra como um todo (e isso incluía a imprensa), outra não curtiu elementos do enredo (inclusão de personagens LGBTQIA+ como protagonistas e a morte de um personagem querido), e daí, as avaliações do público em sites como Metacritic (o equivalente ao IMDB dos games) caíram. No fim, The Last Of Us Part II ganhou o prêmio de melhor jogo do ano, em 2020, pelo The Games Awards (o equivalente a Óscar dos videogames), e venceu em mais outras quatro categorias. É improvável que Hogwards Legacy vença esse mesmo prêmio, mas é possível que ele leve uma indicação de melhor jogo e melhor direção de arte.

A mecânica de batalha, que no começo se mostra única e criativa, enjoa depois de quarenta horas matando, praticamente, os mesmos inimigos. Em determinado momento, quando desbloqueamos as maldições imperdoáveis, o jogo praticamente quebra, porque tudo fica muito fácil. Há um feitiço, chamado Avada Kedavra, que permite ao jogador matar qualquer inimigo instantaneamente. Combine isso ao sistema de combos e aprimoramentos que o jogo te oferece, e você é capaz de eliminar uma horda inteira de monstros com o apertar de um botão. Quando aprendemos essas habilidades, a sensação que temos é a de que apenas estamos esperando o jogo acabar, pulando entre uma cena animada de história e outra.

Ah, e a história… O que dizer de uma história que, de início, parece tão única quanto os livros de J.K. Rowling? É decepcionante chegar ao final do jogo pra descobrir que o bem vence o mal (se você optar por esse fim) e nada de inesperado acontece. É como se os escritores tivessem gastado toda a sua criatividade para impressionar a gente, na primeira dúzia de horas, e, então, passado a caneta e o papel pra outra pessoa. Depositar cinquenta horas do seu tempo num jogo que não te dá uma sensação de felicidade, ao ser concluído, é um pouco frustrante.

Apesar de todas as críticas, Hogwarts Legacy foi um sucesso inquestionável. Vendeu, em poucos meses, mais de cento e cinquenta milhões de cópias (sem contar o número de pessoas que jogaram através da pirataria), e lucrou o mais de um bilhão de dólares. Com um orçamento de cento e cinquenta milhões de dólares (pequeno para a indústria do cinema, grande para a

indústria dos videogames), o jogo rendeu mais que a maioria dos filmes de Harry Potter, gastando menos. Para se ter uma ideia, Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore, o último filme desse universo, custou duzentos milhões e lucrou o dobro disso.

O jogo também venceu uma campanha de boicote internacional, que vinha sofrendo há anos, graças as declarações polémicas da escritora J. K. Rowling, sobre pessoas trans. A empresa responsável do jogo, resolveu divulgar Hogwarts Legacy como sendo uma obra onde criadora de Harry Potter não teve “participação direta”. Essa afirmação abriu brechas pra interpretação, uma vez que autora tem direitos legais sobre toda e qualquer produção que envolva o universo do bruxinho. A Avalanche Software até incluiu uma bruxa trans, chamada Sirona Ryan, pertencente a trama principal da história, que pareceu ter sido criada apenas como resposta a campanha de boicote ao jogo.

Por fim, Hogwarts Legacy é, sem dúvida, o melhor jogo de Harry Potter já feito. Não que a concorrência de jogos da franquia seja alta (a EA Games, antiga detentora dos direitos, fez um trabalho mediano nos anos 2000), mas o jogo realmente é ótimo. Por isso é um jogo nota oito. Não é inovador como um Zelda Breath Of The Wild, da Nintendo, mas é muito bem lapidado em tudo que outros jogos já fizeram melhor. E, claro, tem o universo de Harry Potter. Isso conta muito.

Sobre o autor:

Thiago Mariano

Thiago Mariano é um juazeirense de 29 anos que trabalha com internet há anos. Criador do canal de Youtube “E Se Fosse No Brasil?”, e escritor de comédias românticas, é amante de videogames, séries, animes e outros elementos da cultura pop. Atualmente ele estuda jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA), além de ser formado em Engenharia de materiais e Pedagogia. Thiago também trabalha como professor infantil. 

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