No mundo, existem pessoas de todos os tipos, jeitos, formas, intensidades e gostos. Eu, particularmente, me vejo encaixadinha no grupo das que sentem tudo à flor da pele. Talvez, por isso, o meu gênero favorito do universo cinematográfico seja o drama, afinal, são asnarrativas profundas e os personagens reais que me apaixonam. Foi isso que encontrei, de forma certeira e muito sensível no filme “Close (Idem)”.
O longa-metragem, dirigido por Lukas Dhont, tem duração de uma hora e quarenta e quatro minutos e prende o seu telespectador do início ao fim. O filme belga que estreou no dia 02 de março de 2023 no Brasil, despedaçou o meu coração com o seu enredo tão doloroso que não precisou de uma palavra para me fazer chorar. As cenas, as expressões, os gestos e o toque, anularam qualquer suposta necessidade de fala na obra.
O filme “Close” explora a amizade entre dois adolescentes de 13 anos que vivem em uma área rural no interior da Bélgica. Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) são dois garotos inseparáveis. Brincam, dormem, dividem a mesa do almoço, andam de bicicleta e realizam praticamente todas as atividades do dia juntos. A relação de afinidade e companheirismo dos meninos é construída e revelada de forma magnífica na obra. Há amor em cada passo dado. Mas, o que era puro e lindo, começa agora a causar incômodo. Na escola, os garotos se deparam com o que antes não existia: insinuações, preconceitos e rótulos. Enquanto Rémi não compreende muito bem a situação, Léo se vê afetado ao perceber sua masculinidade sendo questionada. O julgamento externo e os sentimentos incompreendidos da adolescência levam Léo a se afastar do melhor amigo e um muro de concreto é posto entre a relação dos dois. Rémi, confuso e desacreditado, sente profundamente o abandono daquele que era o seu porto seguro. As consequências dessas atitudes são irreversíveis; Rémi se mata e a jornada mais dolorosa da vida de Leo se inicia.
“Close” é uma história avassaladora sobre afetos, luto e penitência. A morte de Rémi acontece na metade do filme e a partir disso, a narrativa desenvolve-se através dos “olhos” impotentes de Léo. É angustiante acompanhar o processo de luto e como essa criança lida com o sentimento de culpa que, mesmo não sendo revelado verbalmente, está ali. De forma semelhante, o filme de romance americano “A Walk To Remember” (Um Amor para Recordar), dirigido por Adam Shankmane estreado em 2002, aborda, em uma de suas faces, o processo de luto vivenciado por um dos personagens principais. A obra cinematográfica conta a história de Jamie Sullivan (Mandy Moore) e Landon Carter (Shane West), casal apaixonado que enfrenta um temido vilão: o câncer. Jamie tem leucemia e revela ao parceiro que, infelizmente, parou de responder aos tratamentos quando era mais nova. De forma já esperada pelo telespectador através da narrativa construída, Jamie morre e Landon ofusca-se com a sua partida. O filme retrata bem o sofrimento de Landon e a tristeza que dia após dia o consome. Apesar das duas obras carregarem abordagens diferentes, “Um Amor para Recordar” e “Close”encontram-se no caminho do sofrimento pós-morte, no luto. Agora, Léo e Landon não dividem apenas a primeira letra do nome; a dor da saudade e as lágrimas que foram derramadas tanto por Jamie quanto por Rémi, acabam unindo esses dois corações feridos.
“Close” é aquele tipo de história que faz a emoção transcender a tela. A direção é impecável e a fotografia apaixonante. Dhont, o diretor, revela um olhar sensível e uma sucessão de escolhas que, particularmente, considero geniais e imprescindíveis à construção estética da obra. Em especial, a fotografia que não utiliza planos abertos, mas sim, planos fechados, verdadeiros closes, fazendo referência ao próprio nome do filme. A passagem de uma cena para a outra acontece de forma muito sútil e cada momento parece congelar no tempo, permitindo ao telespectador uma imersão real na narrativa. Assim como em “Close”, o filme estadunidense de comédia romântica “500 Days Of Summer” (500 Dias com Ela), estreado em 2009, também revela traços de uma direção detalhista que opta, predominantemente, pela utilização de planos fechados. Este filme conta a história de Tom Hansen (Joseph Gordon-Levitt), um romântico de carteirinha que se apaixona por Summer Finn (Zooey Deschanel), uma mulher que não acredita no amor verdadeiro. Neste caso, os planos fechados são empregados para destacar as expressões e emoções dos protagonistas enquanto navegam pelos altos e baixos do relacionamento. Da mesma forma, os planos fechados em “Close” evidenciam as sutilezas dos gestos e as expressões de Léo e Rémi, deixando o telespectador cada vez mais íntimo dos dois; como se sentíssemos o que eles sentem.
“Close” nos diz muito através do silêncio. Cada detalhe mostra uma sucessão de acertos e sensibilidades. Há um respeito imenso na revelação da morte de Rémi; as cenas que permitem essa exatidão além das que utilizam o recurso da fala, são cheias de significados potentes. A forma como a fatalidade é apresentada, com cortes do quarto vermelho de Rémi e a sua porta quebradiça, exemplificam bem esse olhar sensível da direção e a força da narrativa. O filme é recheado de metáforas brilhantes, e isso enriquece ainda mais a experiência primária de quem assiste.
“Close é um convite para chorar”. Não importa em qual grupo de pessoas você se encaixe, das que sentem tudo às que não se deixam abalar, ele machuca. A história é avassaladora. Na música brasileira “Sétima Maior”, do cantor e compositor Esteban Tavares, ele fala: “Corte o laço, desate o nó, jogue fora os pedaços e transforme em pó”. Essa frase me faz pensar na cronologia de “Close”; Léo rompe o seu laço com Rémi, faz a escolha dura de deixá-lo em razão dos julgamentos externos que sofre, e tenta se encaixar em um lugar que não há espaço para demonstração do mais puro gesto humano: o afeto. “Close” nos mostra que, o que antes era certeza, agora, é cicatriz.
Nota: 10/10
Sobre a autora:
Clara Freitas
Nordestina, apaixonada por viagens, músicas, histórias, fotografias e lugares. Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal do Cariri. Formada no Percurso de Audiovisual do Porto Iracema das Artes, Técnica em Música pela E.E.E.P Governador Virgílio Távora e Bolsista do Programa Circulô da UFCA.