Há datas que não deveriam estar no calendário para serem lembradas/comemoradas, mas já que estão, escrevamos sobre ela, dado que a escrita é uma forma de não permitir que nossas palavras sejam esquecidas, afinal de contas, a memória é precária e a gente esquece.
A Lei nº 12.519 de 2011, institui o dia 20 de novembro como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, em alusão à morte do então líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, região Nordeste.
Nesse específico dia, programas de TV e as escolas dedicam-se a passar filmes, promover debates, criar murais sobre a resistência, o sofrimento e a relevância do negro para construção da sociedade brasileira. Minha grande dúvida: e nos dias 19 e 21 de novembro, o que acontece?
Espero que o que tenha sido visto, ouvido e debatido nesse entremeio de datas, seja capaz de tocar cada indivíduo durante os 364 dias do ano para dizer não ao preconceito e o racismo.
Enquanto há inúmeras doenças genéticas, o preconceito é uma doença social. O que as diferencia? As primeiras não tenho como decidir não as contrair. A segunda, eu posso, eu devo.
Em “Diferente mas igual”, Xandys canta e clama para que não formemos “conceito sobre alguém” por ela ser diferente. O músico lembra-nos para não julgar um livro pela capa, assim como “Dreadlocks, vestuário, cor de pele, tatuagem”. E pede “Um tiro no racismo / Um tiro no preconceito / Com um calibre do que o que deram no peito”. Infelizmente há quem diga que é mais fácil matar um câncer a se matar uma ideia.
Sujeitos que não mudam de ideia são justamente aqueles que não sabem lidar com as diferenças, com o novo, que não têm suas ideias abertas ao bem, ao belo. Toda mudança é sempre bem-vinda e significa sabedoria, maturidade, disposição para evolução intelectual e espiritual.
No que diz respeito à literatura brasileira, ela tem raça, classe e gênero. Os negros (e também os índios) ocupam um lugar exótico, não sendo representados como sujeitos partícipes.
Conceição Evaristo, escritora negra agraciada com o Jabuti em 2016 com a obra Olhos D’água, e rechaçada em 2018 pela Academia Brasileira de Letras (ABL) com apenas um voto, diz que a elite branca reconhece as referências dos negros na Música, na Culinária, na Arquitetura, no entanto, cria-se um impasse, que vai da dúvida à negação, quando se trata do campo literário. E questiona se a escrita literária pertence a grupos brancos.
É sabido que a literatura brasileira foi escrita por homens brancos, heterossexuais, de famílias abastadas do eixo Sul-Sudeste. E que o negro foi invisibilizado, silenciado e estigmatizado: negro nobre, negro infantilizado, negro pervertido, negro exilado. Reconheço que a literatura tem sua responsabilidade na criação dessa imagem da população negra ao representá-la como sujeitos sem subjetividade.
Mesmo diante da pouca representatividade da literatura negra em relação à literatura produzida por brancos, os escritores negros nunca permitiram serem silenciados a exemplo de: Maria Firmina dos Reis, Úrsula (1859); Cruz e Sousa, Broquéis (1893); Luís Gama, Obras Completas de Luiz Gama (2021), Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo: Diário de uma ex-favelada (1960), entre tantos outros.
Consciência Negra: esse dia é pra quê? Para derramar sobre a literatura, ou qualquer outro tipo de arte, a cor da universalidade, independentemente da raça, classe ou gênero. Para derramar um balde de água quente em toda e qualquer ideia que coloque a população negra em um lugar de subalternidade. Para se ter a esperança (não do verbo esperar) que toda e qualquer ideia possa ser re – pensada, discutida, planejada.
Sobre a autora:
Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler