Passava três horas no banho, tinha apenas cinco anos e a cabeça marcada por enlinhados e lapadas. Era a preta, mesmo ninguém a vendo como a preta, preta. Se esfregava para ver se largava sua cor. Todos eram brancos, brancos, ela nasceu mais escurinha, se achava a patinha feia e gorda.
Esfregava-se forte e desesperada, tinha fé que era sujeira. Fizeram acreditar que ela estava mudando de cor.
Queria parecer ser mesmo com a mãe. Tomou banho de talco e foi desfilar na casa, crente que estava fazendo o papel de réplica matriarca. Serviu de riso e se desmanchou em soluços e lágrimas. Naquele momento sentiu o abraço aconchegante da mãe, mas ao mesmo tempo insuficiente. Depois do choro continuou se sentindo a maior pessoa: preta, gorda e amaldiçoada.
“Sua preta” “você está engordando de novo” eram chicotes que os açoitavam dentro da sua senzala, chamada família.
Sobre o autor:
Alexandre Lucas
Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.