A borboleta voa com toda a sua fragilidade

Os pássaros cantam. As flores brancas e as rosas amarelas estão desfilando paradas. Escuto baixinho Bob Marley. O sol resolveu fechar suas luzes. Cato fragmentos de saudade e lembro do sonho da última noite, triste: um homem morria torturado, o caminho era resistir aos seus algozes, ficava com a fala entalada, não lembro mais do sonho. Acordei, a boca seca e o coração perfurado.


Observo as folhas, elas parecem dançar, mas estão presas ao chão, mesmo assim dançam. Parece que é isso mesmo: sem correntes estamos presos e mesmo acorrentados conseguimos caminhar. A pureza dos acontecimentos é infinitamente mentirosa. 


A borboleta voa com toda a sua fragilidade, fica ali entre as flores brancas e próxima das rosas amarelas. Bob Marley se mistura à música de Luiz Caldas, tocada na beira da praça entre goles de cachaça e passos improvisados.  Os meninos pulam o cercado da construção para brincar de sexo, sem tirar a roupa, aproveitam e tomam banho na caixa d’água. A alegria parece ser inocente. É domingo e a diversão cabe na realidade, nem sempre no sonho. 

Os passarinhos continuam cantando. Minha amiga acordou tarde para orar, mesmo assim encontrou o caminho da igreja. Acho que não era tarde para orar ou para nossa amizade, entretanto, me provoco de inquietações. Hora e outra me distraio olhando os meninos na caixa d’água, são quatro. Gritos, risos e água suja. É o clube. 


Entre tantas coisas que vão surgindo, o sonho ainda continua aceso, com faíscas de  tortura e resistência.

Sobre o autor:

Alexandre Lucas

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.

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