Chove. Os pássaros cantam. Neruda se declara para Matilde, em Cem sonetos de amor, mas o amor não cabe em um livro. Sinto os pingos escorrendo sobre meus braços como se estivesse me conquistando, ritualizando a antessala da selvageria amorosa.
O amor seguiu viagem, mas deixou suas malas. É carnaval e a carne continua valendo, quase nada. Os rostos pintados de alegria, são brilhos inventados, são rios efêmeros.
Os pássaros comem manga assustados, com alerta de voar. Matilde já não escuta Neruda, deve ser roseira em algum canto, mas do que roseira. A gente se divide e se transforma em tantos seres e coisas, que até duvidamos.
Neruda come pão. “Pão que devoro e nasce como luz cada manhã”, Matilde pão e luz.
Chove. Neruda esquenta às mãos e a cama com seus versos. O poeta pensa em voar, enquanto os pássaros cantam, lembra que o mundo é uma gaiola.
Sobre o autor:
Alexandre Lucas
Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.