Luciana Bessa
A procura pela beleza existe desde a Antiguidade, quando se criavam óleos e banhos aromáticos, quando se obrigavam as mulheres usarem espartilhos sob a desculpa que realçaria sua feminilidade e diminuiria sua cintura, quando as incentivam a terem uma alimentação frugal para serem magras, ou mesmo, quando precisavam usar sapatos pontudos e longos, causando-lhes lesões.
Lendo contos de fadas “Branca de Neve e os Sete Anões”, em que uma rainha manda matar sua enteada, porque simplesmente ela era dotada de beleza; assistindo a filmes, suas inúmeras versões, refilmagens, adaptações, em que a beleza estava em primeiro lugar e nada mais importava, confesso a vocês: fiquei com medo da beleza.
Talvez, por isso, desde a adolescência, trago comigo uma frase do poeta Medeiros e Albuquerque: “Nada no mundo é bonito nem feio. Somos nós que vestimos de beleza as coisas que julgamos bela”. A partir de então, cobri com o manto da beleza todas as pessoas que sorriam, que iluminavam o ambiente com seu olhar ou com palavras de acolhimento (elas são necessárias em uma sociedade patriarcalista e misógina), que eram agradáveis de conviver, que evitavam o julgamento a situações que não lhes diz respeito, que cuidavam de suas vidas, que prezavam pela alegria e pela generosidade em relação ao outro.
Diferentemente de outras mulheres que se submetem, muitas vezes sem a menor necessidade, a procedimentos estéticos caros, depois do medo inicial, passei a relativizar a beleza.
A beleza, ao menos para mim, sempre esteve atrelada ao estado de espírito, a alegria de se fazer o que se gosta, de viver segundo seus próprios preceitos, de valer-se a imaginação para criar narrativas mirabolantes ou mesmo amorosas, de recorrer as mãos para escrever textos, de usar o corpo para amar e ser amada.
O poeta Vinícius de Morais está coberto de razão em sua “Receita de Mulher”: “As muito feias que me perdoem/ Mas beleza é fundamental. / É preciso que haja qualquer coisa de flor em tudo isso/ Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute Couture”, ou seja, além do externo, o interno; da aparência, a essência.
Infelizmente, nem todas as mulheres da mesma forma que eu. E não poderia ser diferente. A TV e o cinema, por exemplo, associam a beleza a corpos esculturais e a juventude. As atrizes parecem mais um produto com prazo de validade: 30 anos em média. Depois dessa idade, vão minguando as falas nos filmes, nas novelas, nas séries.
A partir dessa fase o corpo da mulher vai se tornando pauta, pelo menos aqui no Brasil. Foi o que aconteceu recentemente com Paola Oliveira e Yasmin Brunet. A violência contra mulher cresce assustadoramente, pessoas ficam desabrigadas e/ou morrem com as chuvas, os casos de dengue aumentam, 33 milhões de pessoas passam fome, os censores mandam retirar o livro O Avesso da Pele (2020), do escritor Jeferson Tenório das escolas, o ex-jogador Daniel Alves é condenado por estupro, os amigos o defendem e, como se não bastasse, pagam um valor de R$ 800 mil reais em multas para a justiça espanhola para atenuar a sua pena. Ainda assim, a discussão gira em torno do corpo da mulher.
Seria hipocrisia se falássemos que a beleza não é um ingrediente importante na moda, nas campanhas publicitárias, nas artes em geral, na própria autoestima de cada um de nós. Isso não significa que tenhamos que colocar nossos corpos em risco para caber dentro dos moldes que a sociedade definiu como belo.
A beleza é um mito, nos disse Naomi Wolf, jornalista e escritora estadunidense em seu livro O Mito da Beleza, escrito em 1990. Ela acredita e eu também, que a beleza é um impedimento para que possa obter sucesso em todos os campos de atuação.
Quando o feminino entender que o culto à beleza é uma estratégia do patriarcado de coerção social para coibi-las de ocupar determinados espaços, o mundo ficará estarrecido com o poder de uma mulher.
Sobre a autora:
Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler