Estórias de candeeiro Um homem, um cachorro e uma mão

Rodrigo França

Dá licença minha gente,
Vou contar uma história
Que minha mãe contava
E eu guardo na memória.
De coisas assombradas
Que ela viveu outrora.

E o meu pai confirma,
Pois ele também viveu.
Pra saber se é verdade
Só basta crer como eu.
Pois minha mãe não mentia
Isso ela não aprendeu.

Falou de um cachorro
Que assustava em olhar
E também de um homem
Que sumiu num piscar.
E de uma mão gigante
Que não deixava passar.

O meu pai quando bebia
Gostava de aprontar.
Justamente nesse dia
Ele queria andar,
Para festa ele ia
Ninguém iria empatar.

Minha mãe preocupada
Disse: “homem não vá.
Tá tarde, fique em casa,
Por favor vá se aquietar.
Já é quase madrugada,
Tu vai buscar o quê lá?”

Meu pai nunca escutava.
Era pior se falar,
Ele disse: “eu vou sim!
Quero ver quem vai empatar.
Acompanhado ou sozinho,
Mas nessa festa vou chegar”.

Minha mãe insistente
Continuava a tentar.
“Não vá fique em casa,
Eu tô tentando avisar.
É perigosa essa estrada,
Sabe lá quem vai passar”.

Com álcool na cabeça,
Ele começou zombar
“Nem que seja com o diabo,
Mas lá eu vou parar.
Sozinho ou acompanhado,
O importante é chegar”.

E por incrível que pareça,
Assim que virou as costas
Apareceu um homem
Procurando respostas.
Onde era a festa
Que procurava a horas.

E meu pai bem animado
Disse: “meu bom amigo,
Eu estou indo pra lá.
Você pode ir comigo,
Espera só um pouquinho
Que já já eu vou contigo”.

Minha mãe desconfiada
Ela falou “bora entrar,
Sossega, fica em casa.
Por favor vá se deitar.
Deixe de presepada,
Também quero
descansar”.

Meu pai pegou um cigarro
E disse: “bora andar,
Tá quase de madrugada
Ainda dá pra aproveitar.
Pegar o rabo da gata
E voltar quando clarear”.

E o homem só olhando
Começou a conversar.
“Me arruma um cigarro,
Eu também quero fumar.
Eu fumo no caminho.
Quando chegar só vou dançar”.

Minha mãe deu o cigarro,
E disse: “tá aceso já”.
O homem agradeceu,
E começou a tragar.
Disse então: “eu vou indo,
A gente se encontra lá”.

Meu pai olhou sorrindo
E disse: “te vejo lá.
Pode ir subindo
Que você vai chegar lá.
É só seguir direto
Que não tem como errar!”

E então saiu andando,
Em rumo aquele lugar.
Na rua foi chegando
Em um poste a clarear.
Sumiu sem deixar vestígio,
Praticamente no ar.

E minha mãe confundida,
Disse pro meu pai olhar:
“Nessa festa maldita
O diabo ia te levar.
Você finge que não viu.
E nem quer acreditar”.

“Foi só coincidência”,
Ele tenta justificar.
“Era só luminescência,
O homem já fez foi chegar.
Foi com antecedência
E não deu pra enxergar”.

Minha mãe acreditava
No que tinha passado.
“É melhor ficar em casa
Que em casa tá guardado,
Vai ver é um aviso
E tu tá precipitado”.

Continuou dizendo:
“Ele que é apressado.
Vamos até a esquina
Pra ver se já tem passado.
Ele não vai lá em cima,
Não chegou nem no mercado”.

Como sempre quer tá certo,
Ele foi só por pirraça.
E na esquina de cima,
Imagina a desgraça.
Quando virou a rua,
Um cachorro de raça.

Coração forte no peito.
O corpo todo tremeu.
Brilhante, grande, vermelho,
Olhos igual ao seu.
Um cachorro sinistro,
Do nada apareceu.

Minha mãe preocupada
Sem saber o que faria.
Por ser um cão enorme,
Algum mal lhes causaria.
Mas sem nenhuma ação
Ele permanecia.

Do nada ele saiu,
Desceu no meio da rua.
Diante dos seus olhos,
A verdade nua e crua.
Ele desapareceu
Igual a luz da lua.

“Tá aí a verdade,
Acredite se quiser!
Melhor ficar em casa
Do que sair a pé.
Imagina tu andando
E mais coisa vier?”

“Eu não tenho medo
E isso não me empata,
Pois não ando sozinho.
É Deus quem me guarda
E que essas visagens
Vão pra o raio que o parta”.

E saiu revoltado
Subindo na estrada,
Sem olhar para trás
Não quis voltar pra casa.
Com a mão no bolso,
Apressou sua passada.

Homem é insistente.
Não tem conversa não.
Ele queria ir,
Não importava a visão
Que aparecesse,
Não tinha condição.

Depois de alguns passos
Para baixo ele olhava,
De repente uma mão
No seu peito o parava.
Era uma mão gigante
Que o empatava.

Não deixava passar,
Era mais uma visagem.
Ficar em casa é melhor,
Aí entendeu a mensagem.
Depois de tudo isso,
Ele perdeu a coragem.

“Então vamos pra casa.
Já vai clarear o dia,
Isso é aviso divino
Porque Deus é meu guia.
Era bem meu padrinho
Que me protegia”.

Essa é uma das boas
Que ela dizia
Ter vivido no passado,
Eu ouvia com alegria.
Em saber desses relatos
Que ela viveu um dia.

Hoje só tenho memória
Dessa incrível narração.
Escutar suas histórias,
Eu não posso mais não.
Esse retrato narrativo
Eu guardo no coração.

Dá licença minha gente,
Terminei a história.
Não é conversa fiada,
Vai ficar na memória.

Sobre o autor:

Rodrigo França

Leitor, amante de ficção, professor. Licenciado em letras português, especialista em metodologia do ensino de língua espanhola e neuropsicopedagogia, servidor público do estado combatendo a desigualdade através da educação.

3 thoughts on “Estórias de candeeiro Um homem, um cachorro e uma mão

  1. É imensurável o tamanho do talento desse escritor tão jovem de divulgar a literatura oral por meio cordelista. Estes resgates da memória que tão vividamente nos lembram de momentos que partilhamos com nossos antepassados deixam um gostinho de saudade e aquecem o coração. Você meu jovem, é talento, cultura, tradição e muito amor pela sua origem! Vai longe! O mundo precisa conhecer o seu trabalho e a cultura que demonstra ter tamanho amor! Que orgulho!!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *