Sou do Gesso

Alexandre Lucas

Em cima do morro tinha um muro amarelo, pássaros enormes se reuniam: eram urubus, catando carniça. Esgotos olhando para os céus. Poeira branca da Gipsita. Os trens, os trilhos e o povo dividido. Um horizonte marcado pelo deserto e pelo despossuído. A poesia escondida pela exclusão e o silêncio, mas não foi o povo daqui que pariu os tormentos. Ainda era criança quando percorria essa paisagem e descobria cada pedaço deste lugar e sua gente.

Sou cria da costureira e do sapateiro. Cresci na beira da linha, soltando pipa, correndo nos vagões e subindo num amontoado rochas.

Nada é imutável, nem a terra e muito menos os donos do poder. As coisas por aqui estão mudando, mas ainda não é a revolução.  Aos poucos a poesia vai brotando das mãos inquietas que se unem para erguer sonhos e fazer trincheiras de luta.

A luta pelo direito à cidade dever ser encarada como conflituosa e tatuada pela opressão e exploração do nosso povo.  Nada é dado. A democracia não é um pacto de paz, mas um destrato marcado pelas ideias e interesses contrários. É preciso acreditar, organizar a luta e conquistar um horizonte carregado de esperança, narrado e protagonizado pelo nosso povo que desenha cotidianamente as suas paisagens sociais e culturais.

Estamos em marcha, podemos retroceder e avançar.  É tempo de plantar flores e de construir barricadas.

A partir do verso da luta brotou uma quadra, uma praça, um sítio urbano, a pavimentação, o saneamento. Nasce um novo tempo temperado de nós.

Os microfones poderão está desligados, mas gritaremos, nossas vozes nunca foram escutadas no silêncio. Ainda é pouco porque queremos céus e terras, pão e poesia repartido na mesa da humanidade.

Podemos voar distante dos urubus, reconstruindo nossas quebradas, desfazendo muros e acumulando forças.

Sobre o autor:

Alexandre Lucas

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.

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