Entrevista com Karla Jaqueline Vieira Alves

Karla Jaqueline Vieira Alves

01 – Karla Jaqueline Vieira Alves, Mulher Preta do Cariri cearense, além de mãe, é poeta insubmissa, anticolonial e libertária. Como se deu seu encontro com a leitura, especialmente, com a poesia?

Eu aprendi a ler na escola, como a maioria das pessoas letradas em nosso idioma institucionalizado, mas, o meu verdadeiro encontro com a leitura se deu na rua através das placas, letreiros em fachadas de prédios, frases escritas nas placas dos caminhões de Romeiros, porque os meus primos andavam comigo perguntando o que estava escrito e eu os informava, momento este em que absorvia o sentido das palavras. Sabendo que eles continuariam a me perguntar quando novamente andássemos juntos pelas ruas, eu me adiantava lendo tudo o que por elas havia escrito, inclusive panfletos, jornaizinhos de missa, para estar um passo à frente dos meus primos quando eles viessem me perguntar e eu os respondesse o mais rápido possível com leitura e interpretação. Já com a poesia a paixão começou ao pegar um periódico chamado “O Quatro” que era distribuído em lojas comerciais de Juazeiro quando eu era criança. Sempre tinha poesia. Então passei a colecionar o jornalzinho que eu pegava na padaria e que era distribuído toda quarta feira. Adorei lembrar disso.

02- Vimos que Karla Jaqueline Vieira Alves é uma mulher inquieta, por isso é idealizadora de vários projetos. Um deles é o Projeto de Escuta: Preta, me conta tua história de amor. Explica pra gente quando, como nasceu esse projeto e, claro, quais são os frutos dele.

Este projeto nasceu por volta de 2015 quando eu estava concluindo minha graduação na universidade. Eu sentia a ausência de ser ouvida e, dessa ausência, nasceu o projeto de ouvir outras mulheres negras de várias idades, desde adolescentes até senhoras negras de 80 anos. Após escutá-las eu sempre perguntava como elas estavam se sentindo e todas elas engasgavam nesse momento, paravam um pouco pra pensar e, em sua maioria respondiam que ninguém jamais havia feito essa pergunta para elas. Eu sabia que a partir desse reconhecimento elas pensariam sobre a forma que estavam se sentindo e eu sabia disso porque eu me encontrava naquelas falas. Esse era o objetivo, voltar o próprio olhar para si e o próprio pensamento para o próprio sentimento, reconhecendo que somos seres humanos, que também sentimos. Reconhecendo a humanidade em si, passariam a reconhecer a humanidade nas outras. Na minha visão, este é o principal fruto a ser colhido: o do conhecimento sobre si mesma. O que proporciona o verdadeiro relacionamento humano.

03- Em 2023, você estreou com a obra Contra Banzo, que dispõe de QRCode para acesso ao audiolivro, realizada por meio de recursos do XII Edital de Incentivo às Artes da SECULT–CE. Fala pra gente de sua criação literária. Como foi a escrita desse livro? Quanto tempo demorou? O que o leitor vai encontrar ao longo dos 79 poemas do livro?

A escrita do Contra Banzo começou muitos anos antes de eu saber que iria escrever um livro. Vem de muito tempo, de tempos (no plural) que guardavam o silêncio de minha mãe, de minhas avós, das mães delas, de minhas primas e tias, do meu irmão e do meu pai. Esses silêncios gritavam dentro de mim e podiam ser colhidos no brilho dos olhos de todas essas pessoas. Então eu precisei buscar a escuridão para ser capaz de acalmar e ouvir cada silêncio que gritava inquieto dentro de mim. Fui acolhida pela escuridão para iniciar o processo de escrita do Contra Banzo, um fenômeno que chamei de “A Obscura Grandeza”, como o nascimento de uma Estrela, pois foi na escuridão que pude ver cada detalhe da composição desta obra, inclusive a capa que tinha que ser impressa exatamente como apareceu para mim. E assim aconteceu. É este processo de revelação do ser que o leitor/a leitora vai encontrar no sentir de cada página, passando pela despedida do simulacro até chegar ao impactante encontro com a própria alma. Ao final há um ensaio que busca apresentar uma espécie de resumo sobre todo o processo.

04- Quais são os escritores/as escritoras que influenciam a escrita de Karla Jaqueline Vieira Alves?

Augusto dos Anjos, Florbela Espanca, Aimé Césaire, Frantz Fanon, Maya Angelou, Carolina Maria de Jesus, Maria do Socorro Vieira Alves (minha mãe, que escrevia alguns lamentos em forma de poesia no seu caderno de contas).

05- Quais seus planos literários depois da publicação de Contra Banzo? Continuará com a linguagem poética, ou podemos esperar um texto em prosa – conto, crônica, ou mesmo um romance, quem sabe?

Depois da publicação do Contra Banzo eu escrevi mais dois livros: um que reúne uma série de contos intitulado Caminhos de dentro e outro de poesia intitulado Depois que você foi embora. Desejo conseguir o recurso necessário para conseguir publicá-los em breve porque sinto que vem chegando uma nova escrita em minha mente, talvez um romance.

06- Deixe uma mensagem para os leitores/as leituras que pouco leem poesia, especialmente, poesia escrita por mulheres.

O recado que, neste momento, me sinto preparada para deixar às (aos) leitoras/es é que se permitam enxergar-se ao nos ler. Permitam-se deixar serem tocadas/tocados, contactados, percebidas/percebidos e se perceberem sem temer a nudez que a poesia produzida por mulheres negras costuma provocar em quem comunga da nossa arte.

Sobre a autora:

Karla Jaqueline Vieira Alves

Mãe, escritora, historiadora e produtora cultural.

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