Rodrigo França
Na pequena grande cidade de Juazeiro do Norte, uma coisa chama atenção: não são festas pomposas, praias belíssimas (inclusive, nem tem praia), o nome da cidade já ecoa em todo lugar do Nordeste, ou melhor, do país (até geopark há). Pode não ter muitos lazeres que costumamos buscar, mas a rica cultura e religiosidade fez-me ir visitá-la.
No dia que cheguei à cidade, alegrei-me com o clima tão espirituoso e o carisma que pairava no ar. Fiz questão de hospedar-me em uma pousada (o que chamamos de pensionato) com o nome “Pousada Nossa Senhora das Dores”. Não há nada mais cultural do que se hospedar em um lugar que leva o nome da padroeira da cidade. A igreja da matriz, tão bela e decorada, estrutura e imagens sacras ricas em histórias.
Meu roteiro estava cheio de pontos para visitar, o cemitério do Socorro, o museu do Padre Cícero (inclusive, que lugar rico em cultura e cheio de histórias), mas de todos os lugares que estavam no roteiro o que eu mais queria visitar era a famosa estátua do Padre Cícero. Muito ouvi minha mãe falar – “Qualquer dia te levo lá” – Não esqueço nunca aquele sotaque bem nordestino.
Como havia chegado durante à noite, no dia seguinte, comecei pelos pontos mais próximos do lugar onde estava hospedado: o museu, o cemitério, a praça, até o teleférico, – Como pude esquecer-me do teleférico?- ele dava acesso de um ponto próximo a igreja da matriz até o pico da colina do Horto. No segundo dia, ao surgir os primeiros raios do sol, equipei-me com lanches, roupa de caminhada e tudo mais que seria necessário para a aventura. Ansioso para ver não só a estátua, mas também a área que é protegida e faz parte do geopark (sendo um geólogo era um parque de diversões para mim), queria muito ver as rochas e minerais da região.
Chegando literalmente aos pés da estátua, fiquei impressionado com as formas, a estrutura, e a visão da cidade: deslumbrante. Podia-se ver tudo, uma cidade tão desenvolvida e cheia de maravilhas. Por um momento uma lágrima ganhou espaço no cantinho do meu olho. Lembrei-me de minha mãe, que queria muito me trazer nesse exato lugar. Apressei-me para tomar informações de como chegar ao Santo Sepulcro, queria muito estar lá e explorar esse lugar tão aclamado por quem o visita. Logo, encontrei uma senhora que vendia água junto a uma árvore, então perguntei-lhe:
-Boa tarde! Poderia informar-me como chegar ao Santo Sepulcro?
Com um carisma contagiante e simplicidade no falar, contestou-me:
-“Boa, meu fi! Pra chegar lá é só seguir as plaquinha e às vez tem gente indo ou voltano de lá, é só ir por ali que num tem nem perigo de se perder”.
Agradeci por tais informações e segui meu roteiro. Apressei-me em direção ao meu destino. Porém, não sabia que viveria uma das maiores e melhores experiências da minha vida naquele lugar. Ao seguir por aquela estrada, percebi que havia algumas pequenas pedras em cima das placas que instruíam os visitantes para o caminho correto e o que não poderia ser feito, além de explicar sobre aquele geossítio. Depois descobri que as pedras eram colocadas com o intuito de se fazerem pedidos, mesmo que apenas por misticismo.
Ao caminhar uns 40 minutos, próximo a umas rochas, onde seria o final do roteiro dessa “trilha”, deparei-me com um senhor sentado em uma pedra. Ele estava vestido com trajes simples e observando os arredores. Não quis atrapalhar seu visivelmente prazeroso passatempo, então segui em direção a “igrejinha”. Era uma capelinha em cima de uma pedra, uma construção antiga. O senhor dirigiu-se a mim quando passei por ele:
-“Boa tarde, meu jovem. Está visitando a terra do meu padim ciço pela primeira vez?”
Estranhei tal forma de falar, não entendia o porquê todos falavam assim, nenhum ser para falar formalmente. Disse então ao senhor, que permanecia na rocha esperando uma resposta em relação a sua pergunta:
-Sim, é a primeira vez que venho à cidade. Está sendo um prazer conhecer e viver tudo que a cidade tem para oferecer de sua cultura.
Minha fala era cheia de entusiasmo e alegria:
-Mas e o senhor, mora por perto?
Perguntei sem pretensão.-
“Vixe!”
Respondeu-me sem pensar:
-“Eu sou daqui não, meu fi, venho de outro lugar. Só estou visitando os lugares que sempre tive vontade”.
-Então, o senhor é de qual cidade? – Perguntei com curiosidade .
-“Eu venho de João Pessoa, mas sempre quis visitar a terra do meu padim pade Ciço”.
Perguntou-me então o motivo de minha visita:
-“E você, meu rapaz?” – Perguntou atencioso para a resposta que dei sem pensar duas vezes:
-Eu vim visitar a cidade do “meu padrinho Cícero!”
Olhando-me com julgamento o senhor respondeu:
-“Oxente, homi. Fale igual nois, “Padim Ciço”, ninguém por essas bandas fala padrinho Cícero. Não me venha com modismo”.
Assustei-me com tais palavras, e olhando ao redor sem ver ninguém: Quem fala assim? – Questionei com firmeza.
-“É de se admirar como vocês da cidade falam tudo certinho como se comecem enciclopédias todos os dias”.
Para mim aquele comentário soou como desaforo a minha forma de falar.
-Isso é preconceito linguístico, vocês que falam errado. Só falei da maneira que fui ensinado.
O Senhor deu um sorriso que corria levemente em sua boca.
-Já dizia minha mãezinha “em terra de sapo, seja um deles”, não troco o meu “oxente” pelo “ok” de ninguém!
Mesmo sabendo que tinha razão, não dei o braço a torcer, recusei aceitar tais argumentos sobre essa variação que em particular, sempre considerei muito rica e em alguns casos engraçada. Mas, percebendo que aquele senhor possuía muito conhecimento do que falava, não continuei a discussão em relação a forma de falar, então lembrei de um pequeno detalhe:
-Como é o nome do senhor, esqueci-me de perguntar?
Olhando para mim, deu uma risada singela e respondeu-me:
-Não sei se irá acreditar, mas durante muito tempo só tive um nome, creio que já deve ter ouvido falar…
-Espera um momento – Interrompi a fala do senhor – Creio nunca ter ouvido, não sou dessa cidade, é a primeira vez que a visito e nunca fui em João Pessoa.
-“Não se preocupe que não foi aqui que você ouviu. Meu nome é Ariano, agora sabe quem sou?”
Pensei comigo por um breve instante. Não é possível que seja o Ariano que estou pensando. Sabia que seria impossível ser ele, fiquei esperando o senhor falar seu sobrenome:
-Qual é seu sobrenome? – E sem nenhum pré-pensamento, disse:
-“Ariano Suassuna”.
Naquele momento minha visão turvou-se e tudo começou a girar e de repente deparei-me caído ao chão próximo a algumas rochas e árvores. Observei ao redor e não havia ninguém, então percebi que tudo não passou de uma alucinação causada pelo calor que não era comum para mim. Mas eu não entendi o porquê de Ariano Suassuna.
Ao retornar para a pousada, deparei-me com um livro em cima da cama com o título Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971), então eu entendi que minha alucinação estava ligada a obra que havia lido, e de tão intensa e interessante ficou presa em meu subconsciente. Assim eu vivi a maior e melhor história e experiência de minha vida.
Sobre o autor:
Rodrigo França
Leitor, amante de ficção, professor. Licenciado em letras português, especialista em metodologia do ensino de língua espanhola e neuropsicopedagogia, servidor público do estado combatendo a desigualdade através da educação.