Entrevista

Nágila Freitas

01. Nágila de Sousa Freitas, filha de agricultores, além de poeta, é dramaturga, Produtora Cultural e Curadora, compositora, professora-pesquisadora e liderança social. Conte-nos como é transitar por tantas áreas do conhecimento?

Desde muito cedo tive uma certa projeção para falar de coisas que eu sabia, sentia, mas não sabia que já existiam dentro de uma forma estabelecida pelo dialógico percurso histórico da etimologia. Falo, especialmente, da compressão e dos conceitos das coisas atrelados à criatividade a partir de um cotidiano preenchido de brincadeiras e dores. Trata-se do paradoxal sentimento de ludicidade e realidade que foram moldando o meu estilo literário a um aspecto clássico, mas também rebelde.

02. A relação entre poesia e música sempre foi íntima. Na Grécia Antiga, as composições poéticas eram cantadas, não lidas. Fala pra gente sobre o seu trabalho de composição e a relação que há em sua poesia e, claro, no seu cotidiano.

Costumo dizer que só consigo compor música porque sei fazer poesia. Usufruo dos elementos da poesia, como a melodia e a letra, para compor a música; além de outras muitas possibilidades da linguagem arranjada pelo fazer poético, que culmina não somente em música, mas em outras expressividades da arte. Penso que, se a poesia forma o poema, ela também pode estar na prosa, bem como na composição da música, pois o que se leva em consideração é a capacidade da obra (escrita ou musicada) de tornar poético o seu produto final.

03. Quais são os (as) escritores (as) que são lidos (as) por Nágila Freitas? Quais deles/delas adentram a sua sala de aula na condição de professora?

O primeiro contato que tive com a literatura foi na 5ª série, quando a Professora de Português, Zuilma, apresentou-me à Coleção “Literatura em minha casa”. Toda semana ela levava um livro dessa coleção para eu ler em casa, e assim, fui pegando gosto pela leitura. Anos seguintes fui conhecendo autores da literatura clássica, como Machado de Assis, Rachel de Queiroz e Fernando Pessoa. Dentre os três, o marco para minha total devoção à literatura, foi Fernando Pessoa, especialmente, pelo recurso do aforismo usado bastante na obra “O Guardador de Rebanhos”. Percebi que eu também fazia aforismos com recorrência em meus poemas, mas até então eu não tinha ciência do que era e de que um autor português já usava tal técnica antes de mim. Sempre fui maravilhada por vários autores, mas devo dizer que em Fernando Pessoa há um pouco de mim no fazer poético e na própria forma múltipla de identificação do autor. Eu sou eu, entre muitos eu’s, de Fernando Pessoa.

04. Janir Ribeiro, autora de Memórias de Lince, foi sua professora e a descreveu como uma “estudante impressionante” e de uma “poesia forte”. Como foi sua relação com a escola e com seus/suas professores/professoras? Foi o ambiente escolar que a te abriu portas para as artes literárias?

Entre as muitas fases de uma criança no Ensino Fundamental, eu fui a criança diferente na da escola, com 11 anos de idade eu não gostava de bonecas nem de prender o cabelo. Com 11 anos de idade eu brincava de ser prefeita e escrevia cartas longas para qualquer objeto de afeto que me fosse tocado. Meu palanque era o banco da esquina de seu Joca e meus ávidos eleitores eram as minhas amigas. 

Sempre houve muita sensibilidade em mim, nos toques, nos cheiros e nos olhares sobre os estímulos ao meu redor. Não era comum uma criança com 11 anos fabular utopias para salvar o mundo, o meu mais inocente sonho era curar as dores do mundo, dores que também estavam em mim. Lembro-me que nesse percurso eu criava músicas de Rap cravando o desejo de justiça social, falando sobre temas, como paz, educação e saúde. Paz, Educação e Saúde era o lema do grupo Kamufembas idealizado por mim em entre os anos de 2003-2005. As Kamufembas era grupo composto somente por meninas da Escola Dom Francisco de Assis Pires, onde estudei até o término Ensino Médio. No grupo criei uma narrativa pouco comum para época e para minha idade, pois não se tinha acesso fácil à internet, então, tudo nascia da imaginação e de, talvez, uma consciência de classe que já havia em mim, mesmo que eu não soubesse exatamente do que se tratava. Com o perfil de criança barulhenta e inquieta, impossível não ter sido notada pelos meus professores que sempre me incentivaram a ler e a escrever, especialmente a Professora Janir Ribeiro e Sônia Luna que, em concordância, davam o visto nas minhas redações dizendo: “menina, você será uma grande escritora”.

Acredito, dessa forma, que os meus anos na escola foram essenciais para o que me considero hoje. E, mesmo com os poucos recursos da época somados ao difícil contexto de extrema pobreza no qual eu vivia, a literatura me ajudou a resistir e a substanciar a realidade em poesia. 

05. Maria Nazareth de Lima Arraes, prefaciadora do seu livro O poema é mais belo que o título (2021), disse que nele existe “uma poesia que carrega um eu e muitos outros, Outros…” Como foi o processo de escritura dessa obra? Como esses “outros” contribuíram para o nascimento de seus poemas?

Os outros sou eu e eu sou os outros. Cada objeto abstraído na licença de um corpo pouco notável, como o meu – sempre no “mundo da lua” – é como estar exatamente visualizando os muitos eu’s que trafegam às narrativas cotidianas compartilhadas pelas diversas identidades, formas, estilos e dizeres de pessoas comuns, como comum, também, sou eu. Escrever, dessa forma, um livro inteiro ou apenas um texto pequeno, é uma construção coletiva que ressignifica a velha esperança de quem desejou ser “alguém na vida”. Observo, hoje, que não sou somente um alguém na vida, pois na minha vida há milhões de outras vidas se recriando. 

06. O que os leitores encontrarão em O poema é mais belo que o título (2021)? Deixe uma mensagem para os jovens que ainda não despertaram para a leitura e para a escrita. 

Se cada pessoa que tiver acesso à leitura de O poema é mais belo que o título repassar a experiência dessa leitura à outras pessoas, uma continuidade iremos ter. Leitura, é antes de tudo, continuidade. Falo de continuidade no sentido de criação de imagens a partir de outras imagens, pois ler poesia é interpretar códigos linguísticos, encontrar a relação deles com hipotéticas interpretações e, a partir disso, abstrair imagens sob a óptica da nossa bagagem enquanto ser pensante.

A continuidade faz da leitura um ato essencial para viver no mundo e, além de viver, resistir a tudo o que nos é negado ou imposto sem a devida valia da nossa própria identidade.

Escreverei até a última célula viva do meu corpo para que vocês leiam até a última célula viva de seus corpos. Somos, portanto, continuidade.  

Sobre a autora:

Nágila Freitas

Nágila Freitas é Escritora, Professora e Produtora Cultural.

    One thought on “Entrevista

    1. A Nágila traz, em sua vida uma marca inconfundível, a fortaleza de sua alma e a Luz de seu espírito.
      Faz da sensibilidade extrema, destemida seu porto para entender os ventos , as marés e os destinos.
      Lança-se a navegar e singra sua rota deixando um impossível rastro para os que, privilegiados, enxergam e acompanham.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *