Recorrentemente, sonhava que tinha assassinado um homem e o enterrado. O sonho era tão frequente que chegou a pensar em ser um assassino. Ficava remoendo o passado, tentando localizar a veracidade, mas nunca encontrava. Isso era perturbador, rendia alguns dias no banheiro.
Logo, vieram duas inquietações tão presentes na vida contemporânea que têm matado e enlouquecido muita gente. Uma é a frase atribuída ao estrategista nazista Joseph Goebbels: “Uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade”. Isso é bastante atual; basta ver a narrativa da extrema-direita: seu discurso é mentirosamente verdadeiro e tem ganhado espaços de poder e legitimidade. Outro aspecto inseparável da mentira é o tempo gasto para tentar desfazê-la. Enquanto a mentira ganha velocidade, as reputações vão sendo mutiladas, espaços vão se fechando, e aqueles que lutam pela liberdade vão se transformando em terroristas. Teve um tempo em que diziam que “os comunistas comiam criancinhas” — nunca foram verificar a verdade, mas aceitaram isso como uma história verdadeira.
Estamos no tempo dos manuais, das receitas prontas e dos extremismos, onde a mentira ganha rapidez com os coachs e as teorias idealistas postas como bulas de remédio. Lacração e cancelamento são a ordem normativa dos ritos contemporâneos. Chamem a psiquiatria e os aliados, o mundo está adoecido. Você pode ser o próximo gatilho para a mentira; isso não vai fazer nenhuma diferença na sua vida — afinal, mentir dificilmente dá cadeia.
Na varanda, havia rosas vermelhas e um jornal mentiroso. Hoje, uma pessoa pulou. Nunca mais estará entre nós, nunca mais. Seu corpo estendido entre sangue e dúvidas apenas gritava a verdade. Mas, afinal, o que você tem a ver com isso? Hoje é Semana Santa, vinho e peixe na mesa, e está tudo bem para você. É bem capaz que diga: “Bem feito.” A nossa verdade pode ser um grande equívoco, e a varanda sempre estará à disposição.
Sobre o autor:

Alexandre Lucas
Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.