Direito à Cidade é a luta por outra cidade

Alexandre Lucas

A matemática que divide espacialmente a cidade é determinada pela forma como o capital é socializado nos espaços. A concentração do capital nas mãos de poucos promove a desigualdade socioespacial. A cidade é o retrato de uma sociedade dividida em classes sociais distintas e antagônicas. Existe uma luta constante marcada por interesses divergentes sobre como e quem acessa a cidade. A cidade assume o papel de mercadoria e o espaço urbano age em função da mercantilização da vida humana. Existe dentro desta cidade desigual: uma cidade negada e uma cidade em disputa. A maioria da população minorizada do poder luta por uma cidade que possa lhe caber a partir das condições dadas. Por outro lado, existe uma contestação que luta pelo direito à cidade, a partir do reconhecimento de que o fator econômico é uma das questões primárias para usufruir e ter incidência política nas decisões sobre a cidade.

Reconhecer os limites do Estado e a utopia dos movimentos sociais como estruturas distintas e em conflito constante é fundamental. É possível perceber que historicamente as conquistas sociais no aspecto da luta pelo direito à cidade são fruto da organização e incidência popular. A história tem demonstrado que o Direito à Cidade e à terra derramou sangue e resistência, o caminho do diálogo nem sempre foi possível, tanto nas ditaduras como também em períodos democráticos. Isso aponta o caráter de lutas de classes. A cidade é marcada por contrastes e paisagens socioculturais que refletem os seus conflitos e demarcam as fatias do espaço a partir da apropriação do capital individual. A produção da cidade é social, mas a sua apropriação é privada, o que nos remete à analogia da produção da mercadoria. A classe trabalhadora produz a cidade, mas usufrui a partir das suas margens, com restrições e demarcadores socioeconômicos e espaciais.

Henri Lefebvre e David Harvey, dois teóricos do Direito à Cidade, questionam o processo de produção e estratificação da cidade a partir da sua estrutura urbana capitalista que prioriza a acumulação do capital em confronto com as necessidades humanas e de justiça social. Aspectos como especulação imobiliária, gentrificação e segregação espacial são elementos do capitalismo que apontam a cidade como mercadoria. Elites econômicas e políticas moldam as cidades para atender aos interesses do mercado. Ao mesmo tempo, a cidade é um campo de batalha entre mercado e movimentos sociais. A cidade pode ser percebida como um mecanismo de acumulação capitalista quando observamos sua relação com a construção civil, financeirização da moradia e infraestrutura urbana. A gentrificação e expulsão: o capital imobiliário desloca populações pobres para áreas periféricas, privatizando espaços públicos. A cidade a serviço do lucro.

O Direito à Cidade nos remete a confrontar o modelo vigente, marcado pela predominância do capital sobre a vida. Direito à cidade se contrapõe ao direito à propriedade. Notadamente, a luta pelo direito à cidade é a luta por outra cidade, que garanta participação ativa na produção do espaço urbano e que seja de encontro, diversidade e vida urbana, não de exclusão.

Cidade e meio ambiente são questões inseparáveis da pauta sobre a sobrevivência humana no mundo inteiro. O caráter predatório do modo de produção capitalista tem levado a humanidade para o caminho da barbárie. O lucro não mede esforços para desmatar, poluir o planeta, impermeabilizar o solo e gerar um acúmulo de lixo cada vez maior. Comemos alimentos alterados quimicamente pelo uso irrestrito de poluentes injetados em larga escala pelo agronegócio. A mineração predatória tem reflexos geopolíticos ameaçando a vida e a soberania dos países.

Nas cidades já começamos a sentir a mudança climática: cidades quentes, desmatadas, poluentes e cobertas com asfalto têm sido o cenário hegemônico. As cidades atuais são excludentes, segregam classes, raças e gêneros, mercantilizam a moradia, transporte, cultura e serviços e têm a face do autoritarismo, por exemplo quando se decide o urbanismo sem participação popular.

Outra cidade é possível? Nos moldes do capitalismo podemos dizer que não. Porque essa é a crítica central do conceito de Direito à Cidade. Neste sentido, a luta por outra cidade passa por defender processos democráticos e participativos na definição do uso social e ambiental do espaço (não apenas como preceito jurídico). A defesa de cidades socialmente justas e com redução de impactos ambientais e cidades humanizadas inverte a lógica mercadológica.

O Direito à Cidade é uma reivindicação revolucionária, compõe o leque de lutas anticapitalistas e reflete a reconstrução de uma nova civilidade, capaz de fazer florescer a partilha e o cuidado coletivo, que advogue em nome do meio ambiente como substrato para fartura e a sobrevivência da humanidade.

Sobre o autor:

Alexandre Lucas

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *