A mulher desiludida, livro de contos de Simone de Beauvoir

Publicado originalmente em 1968, o livro A mulher desiludida, da filósofa francesa e escritora Simone de Beauvoir, reúne três contos que retratam os dramas e conflitos existenciais femininos em torno da maturidade, do amor e da identidade (Silva; Nóbrega, 2022).

O fio condutor das três narrativas, conforme se pode observar a partir da leitura das mesmas, é a desilusão das protagonistas diante das promessas falidas da vida conjugal, da maternidade e da própria feminilidade, numa sociedade que as condiciona à dependência afetiva e à invisibilidade. Os contos são: “A idade da discrição”, “Monólogo” e “A mulher desiludida”. Este último, que intitula a obra, será o foco desta análise crítica a seguir.

No primeiro conto, Beauvoir apresenta a vida de uma escritora idosa que enfrenta a sensação de inutilidade e declínio diante do envelhecimento. Sua relação com o filho, com o marido e com sua própria produção intelectual se vê abalada pelo tempo. Apesar de ser culta e independente, ela não está imune às dores da exclusão geracional. Ao perceber o distanciamento do filho e o desinteresse do mundo por suas ideias, ela se sente desacreditada. Assim, o conto ilustra o desconforto da velhice e o medo do esquecimento.

O segundo conto é o fluxo de consciência de uma mulher solitária, repleto de ressentimentos, raiva e dor. A personagem rememora o suicídio do filho, um casamento fracassado e o afastamento da filha. A narrativa ocorre na véspera do Ano Novo, acentuando a solidão. Com linguagem fragmentada e amargurada, Beauvoir revela o abismo entre o que a sociedade promete às mulheres e o que elas, de fato, vivenciam.

O conto “A mulher desiludida” apresenta o drama íntimo de Monique, uma mulher madura que se dedicou durante décadas à vida doméstica e ao sucesso do marido, Maurice. Em forma de diário íntimo, O texto mergulha na mente de uma mulher dilacerada, cuja identidade foi inteiramente construída em torno da maternidade, do casamento e da doação de si.

Desde o início, o que se desenha é a tensão entre a imagem que Monique faz de si e a imagem que o mundo devolve. Educada para servir e amar, ela se depara com o esvaziamento de todos os papéis que sustentavam sua existência. Seu colapso emocional não nasce apenas da traição conjugal, mas de uma decepção mais ampla: perceber que sua vida, devotada ao outro, não possui fundamento próprio.

A traição de Maurice é o estopim que lança Monique em um processo de desmoronamento subjetivo. O adultério, por si só, já seria um golpe violento; mas para ela, é ainda mais devastador, pois desmonta a ilusão da fidelidade como recompensa pela abnegação. Monique não era apenas esposa: ela fora cúmplice, confidente, secretária, enfermeira, organizadora da vida doméstica e social de Maurice. Ao ser preterida por uma mulher mais jovem e ativa profissionalmente, ela é confrontada com a efemeridade do amor masculino e com o desprezo cultural pelas mulheres maduras.

O que para Maurice é uma aventura passageira, para Monique é a revelação de um vazio existencial. Como diz, resignada: “O amor de Maurice dava importância a cada minuto de minha vida. Ela está vazia. Tudo é vazio: os objetos, os instantes e eu” (Beauvoir, 1985, p. 242). O diário de Monique expõe um processo de fragmentação psíquica.

Ela passa do desespero à negação, da tentativa de racionalizar os acontecimentos à autocomiseração. Sua escrita vacila entre a súplica para que Maurice volte a amá-la e o desejo de puni-lo por sua indiferença. O tom de suas palavras revela um desequilíbrio crescente, no qual já não há distinção clara entre o real e o fantasiado.

A protagonista tenta salvar os escombros de sua vida conjugal enquanto assiste, impotente, ao afastamento irremediável do marido. Sua identidade, construída sobre uma alteridade absoluta, não encontra ponto de apoio. Ela não sabe quem é sem Maurice, e menos ainda como reconstruir-se: “Eis-me aos quarenta e quatro anos, as mãos vazias, sem profissão, sem outro interesse na vida que você” (Beauvoir, 1985, p. 187).

Há que se destacar, ainda, o papel da maternidade como eixo de sofrimento e culpa. Monique, que se orgulhava de ter sido uma boa mãe, começa a revisar suas memórias e questionar se, de fato, as filhas estão satisfeitas com suas vidas. Há um distanciamento emocional em relação às filhas, que, já adultas, não dependem mais da figura materna e seguem seus próprios caminhos. A personagem se ressente de não ser mais necessária, revelando que mesmo a maternidade, tida como plena realização feminina, é uma fonte de abandono. A figura da mãe, no conto, se desfaz ao mesmo tempo que a de esposa, e Monique não encontra mais lugar de pertencimento. Ela observa, com angústia, que seu zelo materno foi, em alguma medida, substituído pela autonomia das filhas e pela indiferença de Maurice.

O conto que dá nome ao livro, assim, representa o ápice da crítica feminista presente na obra. A desilusão de Monique é símbolo de uma geração de mulheres que sacrificaram sua autonomia em nome de um ideal de amor romântico e estabilidade doméstica. O casamento não é abrigo, mas campo de invisibilização, como bem lembram Silva e Nóbrega (2022). O amor, assim, longe de ser libertador, tornou-se prisão. Beauvoir, com sua habitual lucidez filosófica, dramatiza a tragédia silenciosa de muitas mulheres que envelhecem sem si mesmas.

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, S. de. A mulher desiludida. Tradução de Helena Silveira e Maryan Bon. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021.

SILVA, I. R. NÓBREGA, K. M. Os nomes dos (des)amores na velhice em “A mulher desiludida”. Congresso Internacional de Envelhecimento Humano. 2022. Disponível em: https://editorarealize.com.br/editora/anais/cieh/2022/TRABALHO_COMPLETO_EV179_MD1_ID778_TB264_15082022214846.pdf Acesso em 08 de maio de 2025.

Sobre o autora:

Marta Kécia

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Regional do Cariri (URCA), na linha de pesquisa: Língua, Discurso e Identidades com ênfase no discurso de violência contra mulher. Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica, Metodologia do Ensino Superior e Literatura Brasileira com Graduação em Letras pela Universidade Federal de Campina Grande(UFCG).

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