Falar de Amélia de Freitas Beviláqua é falar de uma mulher pioneira na luta pelos direitos das mulheres em uma sociedade patriarcalista e misógina como é o caso do Brasil. É lamentável e ultrajante, que em pleno século XXI, muitas percam suas vidas pelas mãos de seus maridos e/ou companheiros.
Vanguardista, Amélia Beviláqua, já na escola (São Luís) publicou seus primeiros poemas e contos. No ano de 1889, Proclamação da República, era possível ler seus textos nos periódicos pernambucanos e paulistas – Revista do Brasil.
Foi, ainda, redatora do periódico O Lyrio, em Recife, ao lado da amiga Maria Augusta Meire de Vasconcelos, pioneira na luta pelo voto feminino no Brasil, no ano de 1902, o que influenciou na criação do Jornal Borboleta, em Teresina, Piauí.
Na década de 1920, Amélia tinha várias obras publicadas, dentre elas: Literatura e Direito (1907), Vesta (1908) e Angústia (1913). Seu nome já era conhecido pela crítica especializada como é o caso de Sílvio Romero, autor de Introdução à história da literatura brasileira, 1882, e Araripe Júnior, autor da obra Movimento literário de 1893, em 1896, período em que a mulher era desestimulada a frequentar os bancos acadêmicos sob pena de sofrer algum mal.
A piauiense nascida em Jurumenha, região Sul do Piauí, em 7 de agosto de 1860, foi ocupante da cadeira nº 23 da Academia Piauiense de Letras (APL) e patrona da cadeira nº 48 da Ala Feminina da Casa Juvenal Galeno-Ceará, da qual sou integrante há mais de vinte anos.
Incentivada pelo marido, o jurista Clóvis Beviláqua, autor do Código Civil Brasileiro (1899), candidatou-se à vaga de Alfredo Pujol, cadeira de nº 22, na Academia Brasileira de Letras (ABL), mas sua candidatura foi negada pelo fato de ser mulher. Assim como Júlia Lopes de Almeida, uma das idealizadoras da ABL, Amélia Beviláqua não pôde integrar tal instituição, já que seu estatuto, inspirado na Academia Francesa, alegava que somente “brasileiros natos ou naturalizados” poderiam adentrar naquele espaço. Mais uma vez, o pretenso privilégio biológico, maquiado por uma questão linguística, brasileiro ≠ brasileira, impediu que uma mulher ocupasse um espaço de destaque. Ressentido, o autor de o Direito e Família (1896), não retornou à casa de Machado de Assis, que ele ajudou a construir.
Telles de Meirelles, em solidariedade ao veto de Amélia à ABL, publicou em outubro de 1930, o poema “A sentença fulminante”: “Sim, orgulhosa. A douta Academia / Que o vosso nome ilustre recusou / Em nada vos tirou / De vossa grande, esplêndida valia. / Se houve algum perdedor nessa história / Foram ‘alguns fósseis de lá’”.
Meirelles tinha razão: A douta Academia perdeu em não ter em seu quadro uma advogada, jornalista, escritora e pioneira na luta pelos direitos das mulheres no Brasil. Além disso, reafirmou mais uma vez seu machismo institucional e seu caráter não democrático. É lamentável que a ABL, em sua trajetória, tenha levado em consideração o gênero e não a competência intelectual como pré-requisito para compô-la. Quanto aos versos acima, foram incorporados por Amélia à sua obra – A Academia Brasileira de Letras e Amélia de Freitas Beviláqua (1930) – como uma espécie de epígrafe: “Estou mais perto de me sentir orgulhosa do que humilhada”.
Amélia foi uma das fundadoras da revista Ciências e Letras e junto com o marido colaborou com a escrita do Almanaque Brasileiro Garnier(Periódico dirigido pelo escritor João Ribeiro) e o Dicionário Internacional.Escrever foi para Amélia uma forma de existir e resistir na sociedade na qual foi criada.
Maloquinha, como era carinhosamente chamada pelo marido, foi, antes de tudo, uma arguta leitora. Chegou, inclusive, a guardar em sua biblioteca seu primeiro livro lido Paulo e Virgínia (1787), de Bernadin Saint-Pierre. Além da Literatura, Amélia se interessava por Medicina, Filosofia e escutar o Bruxo do Cosme Velho na Livraria Garnier.
Leitura e Escrita são lugares de poder. Não é à toa que o cânone literário brasileiro tem cor e gênero: branco e masculino. Mulheres como Amélia Beviláqua nos inspiram a continuar contando nossas próprias histórias e incorporando os “nãos” como molas propulsoras para atingir o mais alto degrau de uma escritora: a identificação e a legitimação do público-leitor.
Sobre a autora:

Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler