Casas de sopros

Mergulhar no sol seria mais fácil quer mentir. Trair-se é um ato doloroso. Antes de iniciar a batalha, Pablo Neruda é lido – Para Nascer nasci. Intenso e cheios de códigos, desbravava o desejo de viver.

Mainha está distante, Neruda nas mãos. Não saberia dizer o quanto a ama, mas queria a intensidade das palavras do poeta para embalar o seu amor, ou simplesmente, um abraço silencioso de quarenta e seis anos. Não seria o suficiente.

Painho acordou cedo, feito menino, foi comprar um brinquedo para gente grande – uma máquina de chanfrar couro. Ainda sonha em calçar pessoas. A máquina de chanfrar serve para amolecer o couro, dar poesia no gingado da pele morta.

O filho, norte e poema maior, tem seu jeito próprio de declarar amor. Hoje, não almoçou com o pai, mas já trocou algumas mensagens.

Um blues bombardeia os sons externos e massageia os terremotos internos. Neruda do lado, pernas fechadas, livro em descanso.

Toda verdade será depositada no purgatório, nem céu e nem inferno. A lei das contradições é óbvia: contraditória. O bem não é o avesso do mal. A pureza é uma invenção para confortar a mentira. Neruda era filho da terra – para nascer nasceu – e da terra se fez Neruda.

A mulher das quartas-feiras lembrou de outras duas mulheres, que receberam cuidados como poemas. Uma delas fazia bolos de cenoura com cobertura de chocolate. Seus olhos marejaram de saudade e de partida. Lembro-lhe também de cada escuta que faz para acolher o desespero alheio. São muitos desesperos mastigados entre lágrimas e silêncios.

Os monstros andam soltos, é preciso cuidar-se. Neruda não nasce puro.

Mão no queixo como segurasse os olhos para enxergar a verdade. Todos os olhos te julgaram. Unhas ruídas, não é medo da verdade, mas do conforto da mentira.

Abre novamente Neruda: “Não é esse aquele lugar onde tercei minhas primeiras armas, roubando livros e quebrando janelas destinadas à alegria da luz?”

Nega fechar Neruda e enterrar os seus princípios. A verdade nunca é única e se tece na caminhada. Não se fazem casas de sopros, mas elas podem derrubar a verdade.

Sobre o autor:

Alexandre Lucas

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.

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