Olhos brilhantes, aparentemente atentos, corpo deitado. Era segunda-feira, seis horas da manhã. Parte da cidade se espreguiçava; para outra, o dia já havia começado bem cedo.
Apenas um gole de café, a barriga ainda vazia. Os olhos brilhantes, aparentemente atentos, e o corpo deitado estavam ali, na rua. Alguém passou, fisgou a imagem e desapareceu daquela paisagem.
Era impossível saber o que acontecera. Restava apenas: olhos brilhantes, aparentemente atentos e corpo deitado. No canto, como quem não quisesse chamar atenção ou atrapalhar o fluxo, mantinha-se inerte.
Os mais lentos conseguiam perceber. A cidade está veloz. A violência escorre sobre os olhos, parece natural. O almoço enlatado, as verduras dronadas de agrotóxico e o noticiário — suco de sangue — não causam espanto.
Olhos brilhantes, aparentemente atentos, corpo deitado… Deveria ter um nome, um afeto qualquer. Não estava ali para constatar o acontecido — suposições não são fatos. Alguém deve tê-lo tirado dali, por incômodo, lógico. Afinal, morto se enterra para não incomodar.
Sei que era um gato: olhos brilhantes, aparentemente atentos, corpo deitado.
Sobre o autor:

Alexandre Lucas
Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.