Tenho escutado há anos, na voz da Maria Gadú, que o “tempo é o compositor dos destinos”, é o “tambor de todos os rirmos”, talvez, por isso tenha se tornado “um dos deuses mais lindos”. Sei que a urgência em entrar num acordo com ele tem sido minha prioridade.
A sensação de cansaço se apoderou de mim. Minha cabeça fica girando quando me deito e os pensamentos se concentram em todas as demandas que preciso realizar no dia seguinte. São curtos os prazos.
Meu corpo dói desde o momento em que acordo. Sem falar nas constantes dores de cabeça que me esperam ao abrir os olhos. Sinto que depois de trabalhar oito horas por dia me falta fôlego e disposição para realizar meus desejos. Já cheguei a me questionar se não tenho muitos desejos.
A sociedade contemporânea está impregnada de metas a serem batidas, pela alta performance, pelo poder do consumismo, pela exposição às telas, pelo individualismo. Da escola ao mercado de trabalho, somos impelidos a ser melhor do que o outro, a se importar com as nossas dores, as nossas necessidades. Se algo não me atinge, não é da minha conta.
Naturalizou-se viver no “piloto automático”, um estado em que as demandas são realizadas sem atenção plena quando ela acontece. O cérebro, na vã tentativa de economizar energia, faz com que realizemos as atividades do cotidiano sem o mínimo de reflexão. Algumas pessoas até perguntam: o que há para pensar no exato momento em que se lava uma louça, se varre uma casa, se arruma um guarda-roupa, em que se dirige até o trabalho?
Decidir sair do universo do “piloto automático” é assumir que você se tornará um “estranho no ninho”. A pergunta que não quer calar: está preparado (a)? Essas ponderações me perseguem há anos, mas começaram a gritar no pé do meu ouvido, quando vi o meu tempo social se esvaindo entre os meus dedos.
Tempo social também acaba, se desgasta, se fragmenta, ou seja, o tempo do encontro, da partilha, da família, dos amigos. Há mesmo quem diga que o tempo social está morto dado ao sentimento de desapego e de alienação a que estamos submetidos.
A contemporaneidade é o “templo da solidão”. Isso me fez lembrar do poeta gauche Carlos Drummond de Andrade, quando no seu poema “A bruxa”, o sujeito lírico expressa: “Nesta cidade do Rio, / de dois milhões de habitantes, /
estou sozinho no quarto, / estou sozinho na América”. Quem nunca se sentiu solitário? Quem nunca tentou marcar um encontro com cinco amigos mais as agendas se chocavam?
Dentre os bens mais preciosos que temos, destaca-se a amizade. Trata-se de um contrato tácito, de respeito, carinho e admiração entre as pessoas e que nos oferece união, segurança, força, sabedoria e companheirismo. Amigos nos fazem companhia, nos aconselham, nos consolam e chamam nossa atenção quando necessário. Por isso, a necessidade de preservar os poucos que temos no “fatal lado esquerdo do peito”.
No primeiro sábado de cada mês, por exemplo, tenho um encontro sacramentado com as cirandeiras, grupo de leitura que compartilha suas experiências por meio dos livros. Enquanto o capitalismo constrói muros, nos impele à competição, a literatura estabelece pontes para que possamos interagir, nos acolher e nos escutar.
“Falta tempo para ler” é uma das frases que mais escuto. Está faltando até mesmo tempo para escrever mensagens pelo Whatzapp. Envia-se áudios. Acelera-se para resolver aquela demanda e já passar para a seguinte.
É verdade que a contemporaneidade deixou o sujeito bastante livre em suas escolhas, mas ao mesmo tempo o tornou recluso em seu canto, voltado para o seu umbigo, sem disposição para olhar e se interessar pelo seu semelhante.
Embora o “outro” seja um escudo contra a solidão, a presença de relacionamentos não é garantia contra ela. As relações são pautadas na liquidez, isto é, falta de solidez, constância e profundidade, para lembrar Zygmunt Bauman. A palavra de ordem é “liberdade”, “não apego”, já que tudo é imprevisível e pode mudar a qualquer momento.
Para ser “um dos deuses mais lindos”, é preciso que pensemos no tempo que temos e no tempo que queremos. É vital que não permitamos que ele nos controle e compreendamos que ele não está fora de nós, mas no sujeito que o concebe. O que você tem feito com seu tempo?
Sobre a autora:

Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler