Visceral. Essa é a palavra que eu usaria para representar Caio Fernando Abreu, escritor, dramaturgo e jornalista, que aos seus pares, desejou “uma fé enorme em qualquer coisa” (penso que apreciava “Andar com fé”, de Gilberto Gil), e que, em troca, desejava o mesmo: uma fé em “qualquer coisa maravilhosa”, que o fizesse acreditar em “tudo outra vez”.
Premiada. Essa é a palavra que eu usaria para falar da obra de Caio Fernando Abreu. Em 1996, recebeu o Prêmio Jabuti pelo livro Orelhas Negras. Em 1989, por Os Dragões não Conheciam o Paraíso. Em 1984, foi a vez de O Triângulo das Águas. Como se não bastasse em 1982, Morangos Mofados, foi eleito pela Revista Isto É como o melhor livro do ano.
Angústia. Essa é a palavra que usaria para representar a obra de estreia de Caio Fernando Abreu – Limite Branco – um romance dos anos 70 com traços autobiográficos em que a personagem central, Maurício, se dá conta de que se tornar adulto não é uma tarefa fácil. É um texto sobre a adolescência escrito por um pós-adolescente, Caio tinha vinte e dois anos de idade, que muito me lembra O Apanhador do Campo de Centeio (1951), de J. D. Salinger.
A epígrafe escolhida pelo jovem escritor é de Hilda Hilst “Este é um tempo de silêncio. Tocam-te apenas. E no gesto te empobrecem de afeto. No gesto te consomem…” Caio desde cedo foi consumido pela palavra, pela vontade de escrever o que lhe ia n’alma. Tanto que iniciou os cursos de Letras e de Artes Cênicas, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contudo, abandonou ambos os cursos para trabalhar como jornalista nas revistas Nova, Manchete, Veja e Pop. Foi ainda colaborador de jornais, como: Correio do Povo, Zero Hora, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo.
Dono de um estilo híbrido, onde a um só tempo dialogam a prosa, o teatro, o conto, a crítica literária e a poesia, valendo-se de uma linguagem coloquial, marcado pelo caráter intimista e existencial, Caio abordou temas, como: morte, angústia, dor de existir, solidão, identidade, sexo, aids, até hoje visto como uma praga, algo sujo e pecaminoso, porque no passado, foi atribuído como uma doença da população LGBT, ou mais precisamente, como um “castigo de Deus”, sem saber que Deus é um ser misericordioso, que ama e acolhe, não pune.
Abordar essa temática levou Caio Fernando Abreu a ser perseguido pela Ditadura Militar, regime autoritário que, durante os anos de 1964 a 1985, pregou censura à impressa, retirou direitos políticos, perseguiu, torturou e matou quem a ele se opunha.
Entre os anos de 1968 a 1971, Caio mudou-se para Campinas e foi morar na Casa do Sol com a criadora de A Obscena Senhora D (1982), de Hilda Hilst, que deixou de ser uma epígrafe de seu primeiro romance para se tornar sua melhor amiga. No ano de 2009, a própria Hilda deu detalhes da amizade entre eles, por meio das cartas trocadas entre ambos: Para Sempre teu Caio F.
Leitor. Essa é a palavra que eu usaria para falar Caio Fernando Abreu, nascido em 12 de setembro de 1948, em Santiago, uma cidadezinha de Porto Alegre, para quem a leitura foi uma espécie de salvação do caos. Leu infinitamente Hilda Hilst, João Gilberto Noll, Gabriel Garcia Márquez, Júlio Cortázar, Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector.
Esse virginiano com ascendente em libra era um apaixonado por Astrologia e levava horas fazendo seu próprio mapa astral, na vã tentativa de desvendar a vida humana. Não conseguiu, claro! Mas sobre ela escreveu os textos mais intensos registrados em Língua Portuguesa. Nasceu e morreu em um dia lúgubre, domingo, em 25 de fevereiro de 1996, no mesmo dia em que o escritor Mário de Andrade. Onde quer que estejam, a prosa deve estar fluindo.
Sobre a autora:
Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler