Hoje quero me rasgar todo em silêncio. Fechei as portas para não ser incomodado, já que tenho muito incômodo acumulado. Decretei luto na varanda, por lá se encontra um banco vazio, boldo que não serve para minhas dores de barriga e minhas roseiras, algumas com botões, todas com espinhos. A taróloga não entende minha dor, logo ela, que sentiu minha língua navegando no seu corpo e a angústia de sua partida. Disse logo: E eu sou obrigada a adivinhar? Até posso ver nas cartas. Escolha o método de atendimento: Uma pergunta, sete reais, duas perguntas doze reais, três perguntas, vinte reais, trinta minutos, cinquenta reais e uma hora, cem reais. Dispensei os seus serviços sem palavras. As únicas cartas que acredito que ainda são cartas de amor, porque são exageradamente verdadeiras de mentiras.
É sábado, parece que os sábados são dias de se rasgar, pelo menos os meus. Já perdi o ar, senti terremotos na barriga, os pensamentos já foram mais velozes que a luz, fiz-me mar e parei no hospital. Parece que os sábados ficaram intrigados e inimigos, mas já tive sábado com chá e bolo, pipoca e filme, pedaladas, abraços, beijos, óleos, suores e cantos gemidos.
Por aqui vejo a poesia instalada, poderia descrever cada uma, sem simetrias. Na verdade, o caos está cheio de poesia. A poesia é como amor cheia de poucas previsões, transbordante de contradições e marcada por assimetrias. Desacredito daquele amor profanado pelas receitas mercadológicas dos coaches. Hoje quero mesmo é me rasgar e saber que o amor é isso também, já que ele é conceito indefinido, é como trem em Minas Gerais, é quase tudo.
Dane-se as boas intenções e as vibrações positivas, hoje é sábado, dia de luto, resguardo da morte, mas a morte é sempre viva. dor que vai e volta. Volta quando não se queria perder. São raras as mortes bem morridas e bem queridas, elas existem, sem falso moralismo, quem nunca desejou a morte do opressor? Sorria, isso é desejo coletivo e incubado, pouco se fala.
Por esse instante quero me rasgar e salgar meu couro nas minhas lágrimas. Não aceito me proibirem de ser emocionado, vou me rasgar mesmo, costurar todinho, ficar cheios de marcas e de certezas e talvez me rasgue de novo com fúria e angústia. Amanhã é domingo, ainda não sei se é dia de me rasgar, pretendo preparar o almoço e comer poesia, como faço todos os domingos.
Sobre o autor:
Alexandre Lucas
Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.