Cidadania cultural e participação social são elementos fundantes da Política do Cultura Viva – Pontos de Cultura, como instrumentos de afirmação e ampliação de direitos e composição de uma nova visão de política pública. Iniciada em 2004 e estabelecida dez anos depois como Política de Estado (Lei 13.018/2014, que institui a Política Nacional do Cultura Viva), essa experiência apresenta aspectos que vão para além da democratização do acesso aos bens culturais e a produção artística.
A cidadania cultural como reconhecimento de direitos historicamente negados à maioria da população é ingrediente substancial para análise da realidade concreta e apontamento das demandas sociais. A expressão de cidadania cultural parte da mesma premissa do conceito de democracia cultural que reside no entendimento de como a produção simbólica é criada, dividida e distribuída entre as classes sociais distintas e antagônicas, separadas primariamente por um recorte desigual de economia.
Efetivar o conceito de cidadania cultural com os mecanismos controle e participação social é uma das premissas da Política do Cultura Viva. Esse deslocamento do controle e do planejamento da política pública, já garantido na Constituição de 1988, começa a ganhar corpo e ressignificar a forma de transferir recursos, reconhecer e legitimar processos simbólicos, ampliar diálogos e ganhar capilaridade social em escala, fatores essenciais para o reposionamento político das camadas populares e a incidência política.
A política do Cultura Viva tem a dimensão de reconhecer o campo de disputa política e autonomia dos movimentos socioculturais, o que se apresenta como algo contemporâneo e marcado por conflitos de entendimentos, mas foi essa dimensão que proporcionou que o Cultura Viva tivesse as condições para criar redes de articulação para além das localidades de atuação dos Pontos de Cultura. Essa perspectiva teve consequências para olhar dos gestores de cultura e dos movimentos sociais. O que pode ser constado pela dimensão latino-americana do Cultura Viva, resultado do caráter democrático de alguns governos e da oxigenação e resistência das organizações populares.
A partir desta relação vão se aprofundando novas práticas de intercâmbio e fortalecimento político a partir dos territórios e identidades.
Na historiografia brasileira das políticas públicas, o Cultura Viva se apresenta como uma política de ruptura que diverge da visão oficiosa, coercitiva e tolerada de cultura alinhada a uma concepção elitizada e excludente. O idealizador do Cultura Viva, o historiador Célio Turino, no seu livro Ponto de Cultura – O Brasil de Baixo para Cima destaca: “A questão da cultura na construção de um novo espaço público envolve a quebra de hierarquias e a edificação de novas legitimidades. Uma política pública de acesso à cultura tem que ir além da mera oferta de oficinas artísticas, espaços e produtos culturais; precisa ser entendida em um sentido amplo, expresso em um programa que respeite a autonomia dos agentes sociais, fortaleça seu protagonismo…” Essa dimensão revolucionária do Célio Turino aponta um caminho de tomada do poder político dentro das estruturas do governo.
Esse entendimento apresenta o caminho do conflito e do diálogo como parte da construção da política pública que cabe o povo no debate e no orçamento. A inclusão dos Pontos de Cultura no orçamento representa um dos pilares edificantes para promoção da cidadania cultural, mas é preciso de um norte político que diga qual tipo de sociedade que ser construir para a classe trabalhadora.
Sobre o autor:
Alexandre Lucas
Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.