Os pais dos meus pais

Shirley Pinheiro

Escolher a trilha sonora de uma noite é sempre uma tarefa muito árdua para uma libriana, cuja característica mais marcante é justamente sua incapacidade de escolha. Mas dormir nem sempre é fácil e ter uma música de fundo agradável muitas vezes se torna essencial para enfrentar as horas em que o sono me escapa.

Numa tentativa de fugir do óbvio, essa semana desenterrei músicas da minha infância. Num passeio musical pelos anos 2000, dormimos ao som de Xuxa, Sandy & Junior, Wanessa Camargo, Felipe Dylon, Marjorie Estiano e Jota Quest. Antes de dormir, cantei para minha irmã de cinco anos, os maiores hits da minha época: Musa do Verão, O Amor Não Deixa, Só Hoje, dentre muitas outras.

E essa noite eu teria ido pelo mesmo caminho, se uma inquietação não estivesse pinicando em meus desejos. Essa noite eu não queria as músicas apaixonadas da minha infância. Hoje eu queria sentir com mais intensidade, mais profundidade. Arrisco dizer que talvez eu quisesse sentir um pouco de tristeza, ou algo que explicasse essa preocupação insistente e sem razão no meu peito.

Foi então, que como uma boa libriana indecisa, recorri à ajuda dos universitários, no caso, da minha, já citada, irmãzinha. E ela foi certeira: vamos escutar Belchior.

Obedeci. Toquei Belchior.

No entanto, a noite pedia algo diferente. Minha inquietação ainda dizia que eu precisava de outro estado de tristeza.

Continuamos a nossa saga em busca da trilha sonora perfeita. Vagamos entre Fagner, Elis Regina, Nara Leão. Até chegarmos nele.

Sorriso radiante, olhos azuis. Deslumbrante!

Os olhinhos da minha irmã se encantaram e, no escuro, ouvi sua voz perguntando quem era ele. “Chico”, respondi.

– Chico Duarco – é assim que ela o chama.

– Não. BUARQUE. É Chico Buarque.

– Ele é bonito, né? 

Gargalhei em concordância, refletindo sobre a beleza daquele homem de oitenta e poucos anos que ainda conquista a admiração inocente de uma criança de cinco anos de vida.

– Queria que ele fosse meu avô – disse a garotinha em tom sério, aumentando minha vontade de rir.

Agora ela dorme ao meu lado. E eu não estou mais escutando Chico. Meus ouvidos, nesse momento, se entristecem com a voz de Renato Russo, mas permaneço pensando no desejo da minha irmãzinha de ser neta do Chico Buarque, revelando certa modéstia em meus próprios desejos e expectativas: eu só queria um avô que “prestasse”, mas nenhum dos que tive superariam o belo Chico Buarque.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro

Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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