Quem disse que corpos marginalizados precisam ser representados em constante sofrimento?

Shirley Pinheiro

Já início esse texto pelo questionamento (título) que ascendeu às minhas reflexões duas vezes esse mês. Da primeira vez enquanto assistia à série tailandesa The Two Of Us (2024) e da segunda enquanto lia o livro Eu só cabia nas palavras (2023), da escritora Rafaela Ferreira.

Na série, Meiji retorna à Tailândia com objetivo de conquistar o amor de sua melhor amiga, Freya. No entanto, ao contrário de outros GL’s (Girl’s Love – como são chamadas as séries asiáticas que retratam romances entre mulheres), The Two Of Us não apresenta uma problemática que impeça as protagonistas de viverem seus amores. 

Com a estreia de GAP The Series, em 2022, a indústria de séries com conteúdos sáficos na Tailândia tem se tornado cada vez mais potente, trazendo à luz questões como representatividade LGBTQIAPN+, os direitos da comunidade e a possibilidade de legalizar o casamento homoafetivo no país. No entanto, um tema recorrente em quase todos os GL’s é a não aceitação dos relacionamentos das protagonistas pelos seus familiares e pela sociedade. Em GAP, Mon e Sam são impedidas de viver seu romance por conta do preconceito da avó da Sam; em My Marvelous Dream Is You (2024), a imagem pública da atriz em ascensão Dawan é o que a impede de viver o seu amor com Khimhan; Em Love Bully (2024), a mãe de Irene não aceita seu relacionamento com Night; o mesmo acontece com Earn e Fahlada, em The Secret Of Us (2024); já em Blank The Series (2024), Nueng precisa enfrentar Phiangfa, sua ex-melhor amiga, Chet, seu ex-noivo e Philai, ambos respectivamente mãe, pai e avó de sua amada Anueng, dezesseis anos mais nova que ela. Em todas as séries citadas, as narrativas são construídas em torno dessas mulheres que são impedidas de viver suas sexualidades e seus amores.

Porém, em The Two Of Us, Freya e Meiji não são perturbadas por nenhuma dessas problemáticas. A série, derivada do drama Deep Night The Series (2024), foi criada a partir do sucesso do casal, originalidade secundário. A química das personagens, bem como das atrizes Tanya Tanyares Engtrakul (Freya) e Tumwattana Panita (Meiji), tornou essencial a criação de um spin off protagonizado pelas duas mulheres. E, dentre tudo o que poderia tornar esse GL um sucesso, destaco a facilidade com que o romance de Freya e Meiji se desenvolve. A partir do momento em que Freya compreende a origem dos seus ciúmes, nada mais impede que elas se amem, é um romance maduro, vivido por duas mulheres em seus quarenta e poucos anos, prontas para ser felizes. Particularmente, foi essa característica que me encantou e cravou o drama entre as minhas cinco produções tailandesas preferidas.

Já o livro Eu só cabia nas palavras, não entrou na minha lista de leituras favoritas, no entanto, a narrativa simples e a abordagem leve das problemáticas foi um encantamento à parte. A obra conta a história de Geovana, uma adolescente gorda, “acostumada” ao bullying e aos comentários sobre seu corpo. Porém, com a chegada de Lisa ao colégio e a aproximação das duas, Gio experimenta algo que nunca vivenciou: ser amada pelo que ela é. Só que ser amada não é suficiente, Geovana precisa encontrar felicidade e amor próprio de maneira individual e independente e é nisso que a história foca.

Ao contrário de outros romances com protagonistas gordas, Eu só cabia nas nalavras, trilha um caminho diferente. Na maioria esmagadora dos livros que li, com o modelo de casal pessoa gorda x magra, geralmente a gorda se apaixona com antecedência pela pessoa magra e só depois de ser “olhada novamente”, essa personagem é digna de ser amada. A título de exemplo temos os casais Colin Bridgerton e Penélope Featherington (Os Segredos de Colin Bridgerton, 2014); Leah Burke e Abby Suso (Leah Fora de Sintonia, 2018); Felipe e Caio (Quinze Dias, 2022); Willowdean e Bo (Dumplin’, 2017), dentre outros.

Mulheres gordas e LGBTs demoraram a ser representadas pelas mídias, e quando isso passou a acontecer, raramente tinham finais felizes, e quando o tinham, a que custo? Mas as novas narrativas estão aí para provar que os corpos marginalizados também podem ser felizes, sem toda uma carga de sofrimento antes.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro

Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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