Inter-relações entre memória, história e identidade

Ludimilla Barreira

Ao realizarmos um percurso entre memória, história e identidade, precisamos considerar fatores como: tempo, espaço e necessidade. Uma vez que, tais fontes podem variar entre interpretações do passado e presente, de quem está no centro ou nas margens, além de, ser manipulada conforme a necessidade do narrador. 

Desta feita, percebemos características contrastantes no percurso formativo desses três elementos, como: a maleabilidade ao serem manejados e a possibilidade de rigidez após serem sedimentados com a passagem do tempo. Diante disso, sobre a memória, para além da capacidade de armazenamento de informações, que, atualmente, pode ser desempenhada por dispositivos eletrônicos, desempenha o papel de um acervo que é requisitado pela mente humana para balizar suas ações/análises acerca de eventos que ocorrem em um determinado contexto, pois, a forma como os atos são concatenados na memória pode influenciar a maneira como interpretamos e damos significado ao passado. Sendo essas memórias organizadas de forma a criar uma narrativa coerente sobre a nossa vida presente, atendendo aos marcadores tempo, espaço e necessidade, e, para mais, que faça sentido dentro discurso mais amplo, o coletivo. Servindo como matéria na construção da história.

Porém, Paul Ricoeur (2003) nos diz que há uma fragilidade entre a memória e a história, ao destacar tanto a interdependência quanto as limitações de cada uma dessas categorias no processo de relembrar e interpretar o passado, uma vez que, “o reconhecimento continua um privilégio da memória, do qual a história está desprovida”. 

Dessa forma, temos que a história é o resultado das lembranças e dos esquecimentos, conforme tempo, espaço e necessidade, sendo um “jogo de subjetividades, escolhas e necessidades que existem por trás da construção da memória” (BARRONCAS, 2012). Sendo então, o resultado da reconstrução de um percurso narrativo que privilegia as memórias selecionadas, evidenciando o que deseja apresentar e invisibilizando o que não é favorável aos três fatores determinantes. No entanto, além das memórias utilizadas nessa construção, outras são criadas com a leitura e interpretação da história para dar sustentação às memórias coletivas, contribuindo dessa forma com a formação da identidade individual e social de um grupo. 

Diante disso, Michael Pollack (1992) nos diz que “a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade”, deixando claro que a identidade não é apenas uma questão de quem somos no presente, mas determinante das lembranças eleitas e de como deveremos esperar o futuro. As experiências compartilhadas com os grupos nos quais estamos inseridos, por exemplo, criam um sentido de pertencimento e continuidade, que é vital para a nossa sensação de identidade. Pois, cada lembrança, desde a mais tenra idade até a maturidade, complementam as peças do nosso todo, influenciando nossa percepção de nós mesmos e nossa compreensão do mundo ao nosso redor.

Além disso, a memória coletiva, nos insere em um contexto de lembranças compartilhadas em grupo, reforçando essa ideia sobre a nossa própria identidade, mantendo a coerência, unidade e manutenção do que foi dito.

Em síntese, ao explorar a inter-relação entre memória, história e identidade, é perceptível a conexão e a influência mútua, além de fatores como tempo, espaço e necessidade. A memória, sendo a base de construção da identidade, é moldada por interpretações que variam conforme a necessidade do narrador. Porém, essa flexibilidade da memória, tende a se perder com o passar do tempo, a medida em que enrijece, formando narrativas que sustentam as identidades criadas.

A história, por sua vez, surge como produto de uma elaboração da memória, incorporando o que é lembrado e suprimindo o que é conveniente esquecer, de acordo com os determinantes contextuais. Essa narrativa histórica, ao passo que é obra das memórias que a formulam, também desencadeia a criação de novas memórias, robustecendo as identidades.

Portanto, a memória não apenas registra o passado, mas também nos constitui e define as nossas lentes para observar o mundo. Ela desempenha um papel central na criação e desenvolvimento da identidade, em todos os níveis, garantindo a continuidade e a coerência das narrativas que nos definem ao longo do tempo.

REFERÊNCIAS

BARRONCAS, Ramon. A memória, o esquecimento e o compromisso do historiador. Brasília, 2012.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Irene Ferreira, Bernardo Leitão, Suzana Ferreira Borges. Campinas/SP: UNICAMP, 2003.

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, v. 5, n. 10, p. 200-212, Rio de Janeiro, 1992.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: UNICAMP, 2010.

Sobre a autora:

Ludimilla Barreira

Leitora, sonhadora, eterna estudante e observadora da vida. Além disso, é bacharel em Direito, especialista em Direito Público, servidora do executivo estadual e defensora da igualdade.

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