Uma criança na janela

Dina Melo

Eu adoro janelas, parece que foram feitas pra gente espiar o céu, as nuvens do dia, o escuro da noite, às vezes, as estrelas, às vezes, a lua…

Janelas existem pra gente sentar e pensar. Deixar o pensamento correr manso, lembrar da escola, daquele menino com o sorriso bonito, das brincadeiras com as amigas no recreio, quem jogou a bola em quem, pensar nas possibilidades que não aconteceram, no se, nos nossos planos pro futuro do dia seguinte.

Sentada na janela o tempo para e tudo é só o instante. Da janela eu vejo a estrada de terra onde o sol brilha e do outro lado papoulas e urucum. Eu gosto de me demorar contemplando as papoulas tão rosas e vermelhas, os filetes com o pólen nas pontas, as folhas verdes e pontudas. Os galhos retorcidos do urucum, onde brincamos de casinha, seus frutos tão incomuns.

Avisto o arco-íris e penso em correr até o fim pra virar menino ou achar um pote de ouro. Eu gostaria de ter moedas valiosas, mas me atrai mesmo a ideia de pular prum lado, virar menino, pular pro outro, menina, de novo menino, de novo menina. Eu queria viver essa experiência, que coisa diferente isso. Mas antes do arco-íris desaparecer quero passar pro lado de menina e correr pelo capim. Correr sem sentir as pernas doerem, apenas o vento levando o vestido… correr até o rosto ficar vermelho e quente… correr até cansar, rodopiar e cair. Ficar deitada no chão vendo o ar denso, pontinhos que brilham, borboletas.

Olho o céu, imaginando nas nuvens o contorno de bichos, faces de pessoas, um nariz que se transforma na orelha de um elefante, na corcova de um camelo, os olhos agora são sementes de uma árvore e a árvore é um rio que corre, formas desconhecidas, de coisas que ainda vão surgir, dragões. Eu nunca vi castelos, prédios, carros. Acho que no céu não se constrói nada.

No chão, admiro as formigas em fila, algumas levando pedacinhos de folhas, tão ordeiras em sua marcha. Como eu gosto de olhar formigas! Sempre fico intrigada, porque apesar de toparem umas nas outras, desvencilham-se e seguem decididas, não brigam. Fico absorta, quase hipnotizada.

Minha mãe chega do trabalho, pergunta:

— Você fez a tarefa? — Fiz.
— Lavou a louça? — Lavei.
— Comeu? — Sim. Comi nuvens, flores, formigas, pensamentos, estou cheia da beleza do mundo, saciada por hoje.

Sobre a autora:

Dina Melo

Amante das árvores, das nuvens, do vento, das águas e do som das palavras. Pés no chão, cabeça nas estrelas, sol em Touro e lua em Gêmeos. Herdou a força e a ligação com a Terra das suas ancestrais Tabajaras da Serra da Ibiapaba. Estudou Direito na UFC e é servidora do TRT Ceará.

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