Luciana Bessa
Somos fruto da “sociedade do espetáculo” (Guy Debord), o que faz com que nossas relações acabem se confundindo com mercadorias expostas nas redes sociais. Nesse contexto, a aparência se torna a tônica da existência objetificando e artificializando as relações humanas que deixam de ser vividas em sua essência. Nesta sociedade que cria, edita as regras e os valores é comum o uso de máscaras sociais, como um artifício para se conviver harmonicamente em coletividade, e assim, sermos aceitos e legitimados.
A imagem que o sujeito transmite de si é de beleza, força, benevolência, fazendo com que o outro acredite em suas “boas intenções”, na perfeição de suas ações. Via de regra, as imagens transmitidas são, na verdade, ficções criadas por outros que não nós. O Instagram é a prova cabal de um universo “perfeito”.
Da mesma forma que Manuel Bandeira idealizou ir embora para “Parságada”- já que no mundo real não era feliz, já que “Lá a existência é uma aventura”, lá poderia fazer ginástica, andar de bicicleta, montar em burro brabo, subir no pau-de-sebo, tomar banhos de mar – quem nunca imaginou criar seu próprio universo paralelo em que tudo é permitido? Ou mesmo levar a vida das celebridades? Fico me perguntando: espelho, espelho meu, alguém já pensou sobre isso além de mim?
Em dias que parece que tudo dá errado, que você diz: “hoje, eu não deveria ter me levantado”, ousei devanear como seria minha vida se não precisasse usar “filtros”, se tivesse nascido herdeira, pudesse acordar às 7:00h da manhã, tomar café sem me preocupar em chegar atrasada no trabalho, ir para o pilates, retornar para casa e me dedicar às minhas leituras.
Devaneios a parte, ao longo dos séculos, criou-se para a mulher a imagem de mãe generosa e altruísta, esposa extremosa e amante submissa capaz de morrer de/por amor. Vivemos em uma corda bamba entre o “espetáculo” e a “aparência”. Por isso, a necessidade de conhecer o “ser no mundo” – expressão que remete ao filosofo alemão Martin Heidegger -, haja vista sermos forjados a partir de concepções naturais, biológicas e culturais, além do fato de precisarmos nos relacionar com o outro e com a linguagem em si.
Compreender que simplesmente não habitamos o mundo, nos constituímos no mundo é importante para saber que cada pessoa desenvolve diferentes significados e valores com o tempo e o espaço. Trata-se de um espaço de constante transformação. À medida que o mundo muda, nos também mudamos, desenvolvemos novas concepções de ser e de estar com o outro.
Por isso, viver de modo espontâneo e livre é perigoso para as mulheres que precisam se criar estratégias para estar em harmonia com o mundo e, em muitas ocasiões, preservar sua própria vida. Não é à toa que o “Bruxo do Cosme Velho”, ao criar Capitu, deu-lhe “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Assim como a personagem machadiana, muitas mulheres (não só elas) valem- se subterfúgios, adotam o uso de máscaras e, aos poucos, vão perdendo sua identidade em uma sociedade caracterizada pelo patriarcalismo e pelo sexismo.
Às mulheres é apresentado uma paisagem limitante e castradora que as impede de vivenciar a igualdade social, política, literária e, até mesmo, sexual. Não é de se estranhar que o gênero feminino, ao longo dos séculos, tenha oscilado existir em uma gangorra entre o “espetáculo” e a “aparência”.
É fato que a maneira de ser e de estar no mundo é própria de cada um de nós, contudo, sobre as mulheres recaem imposições e estereótipos – dona de casa, mãe afamada, esposa fiel, amante submissa – que não permitem que elas sejam integradas ao mundo. Compreender o modo de ser e de estar é importante para saber de fato que somos e para onde caminhamos.
Embora estejamos no mundo, nem sempre é possível vivenciá-lo em sua plenitude, já que precisamos nos adequar as normas e os valores que nos são impostos. Ser no mundo, estar no mundo, relacionar-se com às coisas e com às pessoas é um modo único de realização. A pergunta é: você tem se realizado?
Sobre a autora:
Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler