Eu estive lá!

Luciana Bessa

Dia 15 de novembro não foi mais um feriado da Proclamação da República como tantos vividos. Saí do Cariri às 21:00h do dia 14, não no último pau de arara, mas em um ônibus da empresa Guanabara, que quebrou no meio do caminho. Como não lembrar do poeta gauche da literatura brasileira, Carlos Drummond de Andrade?

Com uma pedra, quer dizer, com um atraso de três horas, cheguei em terras alencarinas no dia seguinte às 10:00h manhã. Às 17:00h, já estava na Concha Acústica da Universidade Federal do Ceará (UFC) para presenciar Maria Bethânia ser agraciada com o título Doutora Honoris Causa.

Em frente ao portão, minha irmã pergunta: “mas o que é isso?” “Ela fez doutorado na mesma Universidade que você?”.  Tive o prazer de explicar-lhe que Honoris Causa é um título concedido a pessoas, que não necessariamente fizeram um curso superior, mas que se destacaram em uma determinada área do conhecimento por seus méritos e suas virtudes. 

Maria Bethânia Teles Veloso, nordestina de Santo Amaro, é uma dessas mulheres que tão bem cantou os brasis e a poesia brasileira e portuguesa. Foi a artista do gênero feminino a vender mais discos na década de 1970, período conhecido como os “Anos de Chumbo”, momento de maior repressão da Ditatura Militar, marcado pela censura, torturas e mortes, como foi o caso do político Rubens Paiva, tão bem retratado no filme “Ainda estou aqui” (2024), de Walter Salles. A filha de Dona Canô, em 2012, foi eleita pela revista Rolling Stone Brasil, a quinta maior voz da música brasileira. Foi, ainda, a primeira mulher a vender um milhão de discos em solo brasileiro. Aos sessenta anos de carreira, essa conta já ultrapassou os vinte e seis milhões. 

Por falar em poesia, quem ainda não conhece, fica a indicação de “O vento lá fora”, retrato do poeta Fernando Pessoa concebido por Cleonice Berardinelli, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), e Maria Bethânia, recitando e cantando a mensagem pessoana (em alusão ao livro Mensagem, 1934), além de cartas em que o português explica a gênese de seus heterônimos, como é o caso do poeta Adolfo Casais Monteiro.

Voltando à Concha Acústica da UFCA, espaço de afetividade, foi lá que  colei grau em 1999, apinhado de gente – que como eu saiu do Cariri – com um único sentimento, gratidão, por poder ouvir e ver, a irmã de Caetano Veloso, ser homenageada por sua contribuição para a Cultura brasileira e ter suas mãos beijadas em sinal de admiração pelo reitor da UFC, Custódio Lima de Almeida, o Ministro da Educação, Camilo Santana, o Governador do Estado, Elmano de Freitas, e o Secretário de Ciência e Tecnologia e Educação do Estado do Ceará, Inácio Arruda. 

Como emoção puxa emoção, além de encontrar amigos(as) dos tempos do doutorado, a quebra do protocolo por parte do reitor da UFC, que após a entrega das “vestimentas doutorais”, vestes típicas desse tipo de solenidade, se recusou a colocar o “capelo” (um pequeno chapéu) na cabeça de Maria Bethânia, alegando que “uma rainha coroa si mesma”, levou uma multidão de fãs ao delírio. Naquele exato instante, agradeci ao Universo por ser mulher, brasileira e nordestina. 

Quando pensei que minha cota de emoção para um único dia tinha findado, Maria Bethânia começa o seu discurso de agradecimento, “orientado pelo amigo Eucanaã Ferraz”, poeta e ensaísta tantas vezes por mim lido no Mestrado e Doutorado. 

A homenageada inicia dizendo que nunca fez um curso superior, mas sempre esteve dentro da Universidade ao compor o corpo de estudantes da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, cujo atual reitor, Paulo César Miguez de Oliveira, estava presente à solenidade. Ela relembra que no ano de 1963, seu irmão, Caetano Veloso, compôs a trilha musical da peça “Boca de Ouro”, do dramaturgo Nélson Rodrigues. A convite de Caetano, ela também interpretou faixas do espetáculo. Dois anos depois, em 1965, ela substituiria Nara Leão no espetáculo “Opinião”, no Rio de Janeiro. Disse também que sua dívida não era “pequena com todos aqueles que a constituíram como artista”. Na impossibilidade de citar todos os nomes, limitou-se a dizer que naquele chão “pisa uma série infinita de escritores, poetas, compositores, artistas e amigos”. Bethânia alegou que não era escritora, se fosse, talvez, elencasse outros escritores, como Rachel de Queiroz, a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL), ou Emília Freitas. Fez questão de discorrer sobre Patativa do Assaré (1909-2002), poeta popular, e sobre Violeta Arraes (1926-2008), primeira Reitora mulher da Universidade Regional do Cariri (URCA), e ativista política que transformou sua casa, na França, em abrigo e referência para intelectuais e artistas perseguidos pelos militares, como foi o caso do irmão, Caetano.

No entanto, Maria Bethânia frisou que estava naquele espaço na condição de mulher, “a fim de marcar a necessidade urgente de ampliar o lugar das mulheres na sociedade civil brasileira”. Dos 70 anos de UFC, dos 100 títulos doutor honoris causa, apenas 6 foram concedidos às mulheres. Acrescentou: “(…) estou aqui como trabalhadora, como uma das muitas deste imenso, formidável e difícil país. Mas falo de um lugar específico: a música popular brasileira”.

“Gente é pra brilhar” (…) Presenciar a entrega do título de doutora honoris causa à Maria Bethânia pela UFC e assistir ao show, no estádio Castelão, ao lado do irmão dela, Caetano Veloso, é motivo de poesia. O título? “Eu estive lá!”.

Sobre a autora:

Luciana Bessa Silva

Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler

2 thoughts on “Eu estive lá!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *