Encontrei vó deitada com a sua face de versos de paciência. Cresci querendo aprender com ela a desatar nós, um trabalho difícil, que exige destruir a velocidade e a agitação, cantarolar nos pensamentos e acompanhar a dança das folhas no sopro do vento.
Vó seguia, atravessando as portas, as salas, os quartos. No final da tarde, sempre dizia que estava quente e fazia café. Enrolava as histórias como quem amaciava as memórias, demorando para dizer como José de Alencar, escritor cansativo para ler.
Não lembro de vó ter me batido, nem com palavras. Tenho lembrança dela me ensinando a escolher pequi: quando o biloto sair facilmente do pequi, no toque do dedo, ele estará maduro. “As laranjas mais lisas, sem a pele mondrugosa, são as melhores”, ensinava vó.
Comia em casa do feijão de vó. Mas só adulto fui entender. A vida não era fácil, e desde cedo sabia o significado da palavra miúdo.
No dia que foi anunciada a morte de Tancredo Neves, o presidente que não foi presidente, estava no mercado, comprando pirô com vó. Ela sempre era doce comigo. Quando iria pedir a bença, me abençoava dez vezes.
A última vez que pude falar com vó foi na porta do hospital. Ela olhou surpresa:
— Você está aqui, meu filho?
Se disse algo, não lembro, mas hoje diria: volta logo, vó.
Manhã chuvosa, carregava vó pelas ruas da cidade, entre as lágrimas do céu e as minhas. Nunca mais iria ver as rugas de Dona Maria. Ela me deixou como herança a vontade de aprender a desatar nós.
Sobre o autor:

Alexandre Lucas
Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.