Entrevista com Émerson Cardoso

01. Antes de pesquisador, professor, escritor, Émerson Cardoso é um leitor arguto de escritores/escritoras. Compartilhe conosco como aconteceu sua relação com a leitura, a literatura e a poesia, já que é autor de ROMANCEIRO DO NORTE JUAZEIRO (2014)?

Em pouco tempo de escola aprendi a ler. Sempre gostei de aulas que consistiam em leituras e interpretações textuais. Lembro que eu lia e relia os poemas ou letras de canções presentes nos livros didáticos e os decorava. Na segunda série, por exemplo, decorei o poema A porta, de Vinícius de Moraes, e nunca o esqueci. A literatura me veio, mais ou menos como a concebo hoje, quando eu comprei, na sétima série, o livro Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias, de José de Nicola. Eu vivia com esse pequeno manual de literatura nas mãos. Decorei vários poemas presentes nele e o guardo até hoje. Poesia, para mim, é algo indispensável para nossa existência. Não consigo imaginar a vida sem leitura, sem literatura, sem poesia. Dentre as autoras e os autores que amo, a maior parte produz principalmente poesia: Cecília Meireles, Augusto dos Anjos, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Adélia Prado, Hilda Hilst, Ana Cristina Cesar, são os primeiros nomes que me vêm à mente, quando o assunto é poesia brasileira. No exterior, Florbela Espanca, Federico García Lorca, Noémia de Sousa, Sophia de Mello Breyner, Agostinho Neto, Sylvia Plath, Arthur Rimbaud, dentre outros.

02. Você mantém dois blogs: 

1) Das insustentáveis levezas: leitura, interpretação e arte 

(http://emersoncardosoemerson.blogspot.com)

2) Dimanche de Camomille ( http://dimanchedecamomille.blogspot.com).

O que os leitores podem encontrar em suas páginas on-line?   

O blog Das insustentáveis levezas: leitura, interpretação e arte começou como uma estratégia para minhas aulas. Eu postava conteúdos de literatura e gramática direcionados para o contexto de sala de aula. Depois, comecei a apresentar resenhas críticas, textos de autoras e autores em gêneros diversos, explanações sobre artes etc. Passei a divulgar, também, textos de minha autoria. O blog Dimanche de Camomille era para ser uma forma de divulgar somente poesia, mas eu o utilizo pouco. Preciso reanimá-lo.

03. Você é autor de dois cordéis:  A BEATA LUZIA VAI À GUERRA (2011) e A ARTESÃ DO CHAPÉU OU PEQUENA BIOGRAFIA DE DONA MARIA RAQUEL (2012).  Conte-nos sua relação com esse gênero literário e, claro, a história de ambos os textos. 

O Cariri tem o privilégio de ser um grande produtor e propagador desse gênero poemático que amo tanto. Antes da graduação (sou da área de Letras) eu já gostava de ler cordéis, mas foi na graduação que tive contato mais profundo com o gênero. Tive oportunidade de cursar uma disciplina com uma professora maravilhosa. Ela fez um excelente trabalho no sentido de divulgar estudos teórico-críticos sobre o cordel e também no sentido de nos apresentar obras de algumas cordelistas do Cariri. Fiquei encantado para sempre e comecei a colecionar cordéis (até hoje mantenho essa coleção). Como sou obcecado pela História de Juazeiro do Norte, decidi, certa vez, discorrer sobre a Sedição de Juazeiro em forma de cordel. Foi assim que surgiu A Beata Luzia vai à Guerra. Tempos depois, contei a história de minha bisavó materna no cordel: A artesã do chapéu ou pequena biografia de Dona Maria Raquel. Ela foi uma artesã que trabalhou por mais de setenta anos com palha de carnaúba, de modo que senti a necessidade de homenageá-la. Publiquei os dois textos em Fortaleza e inicialmente não os divulguei no Cariri (por certa timidez minha). O meu terceiro cordel sairá em breve. O título dele é A PUNIÇÃO DO PADRE BELO. O cordel, para mim, é de uma riqueza incomensurável e deve ser sempre valorizado.

04. Em 2018, você lançou seu primeiro romance O casarão sem janelas. Nele há um escritor inseguro de seu ofício que dá voz a quatro mulheres: Augusta, Maria dos Anjos, Angelita e Lina. Qual a simbologia desse casarão sem janelas? O que aproxima / afasta o “escritor inseguro” e o “escritor Émerson”?

Eu comecei a escrever O CASARÃO SEM JANELAS em 2001. Entre escritas e reescritas, o publiquei em 2018, para meu mais absoluto arrependimento. Ele foi todo reescrito para ser publicado novamente, em 2022, em uma obra que pretende homenagear o Cariri cearense nos gêneros lírico (Romanceiro do Norte Juazeiro), dramático (A Revolta de Antonina) e narrativo (O casarão sem janelas). Esse romance traz essas personagens femininas citadas, e outras tantas que povoam o casarão, com o objetivo de refletir sobre a condição da mulher em suas perspectivas mais amplas. A ausência de janelas figura como uma metáfora para o cerceamento que pairou, por séculos, em torno da existência das mulheres. O romance traz figuras femininas complexas (eu não sei criar personagens masculinas) e também é um romance histórico. O Padre Cícero, por exemplo, aparece como personagem em um dos capítulos. Agora, sobre minha insegurança, por muito tempo me coloquei na condição de escritor amador, porque tinha medo de não ser capaz de dar conta da responsabilidade que essa palavra concentra. Sempre escrevi compulsivamente. Por exemplo, enquanto escrevo um livro de poesia, para publicar próximo ano, estou escrevendo um romance, uma peça teatral, um livro de contos, um livro de memórias, um livro sobre a obra de Rachel de Queiroz, mas sempre me coloquei na posição tímida de não expor muito o que faço. Também não expus meus textos porque publicar é difícil. As publicações que fiz, sinceramente, foram medíocres demais. Talvez um perfeccionismo exagerado tenha me deixado prudente e autocrítico em excesso. Hoje, após a publicação de meu último livro de contos, resolvi não me amedrontar e divulgar meus textos. Simplórios ou complexos, terei que divulgá-los, porque nasceu em mim uma urgência incontida. Não posso escrever e guardar na gaveta. O tempo é de compartilhar. 

05. O mundo no ano de 2021 foi marcado por grandes perdas humanas e materiais. No entanto, você lança o livro O baile das assimetrias. Conte-nos a história dessa obra e não se esqueça de dizer qual a influência que a Astrologia tem sobre você.

A pandemia foi (e tem sido) avassaladora para todos nós. Eu vivenciei perdas de pessoas próximas e não sei ainda como lidar com isso. De repente, me apareceu um sentimento trágico da vida que me atormentou. Se eu não publicasse o livro de contos O BAILE DAS ASSIMETRIAS, que eu escrevia e reescrevia há anos, poderia morrer e deixá-lo esquecido para sempre. Esse livro trata de astrologia, mas esse é um ponto de partida para a explanação de outras questões um tanto complexas que emergem das narrativas. Alguns contos são profundos pelas reflexões que instigam, outros são mais cômicos e prosaicos. Tudo é uma estratégia para tratar de temas como: minorias sociais, discriminação, racismo, homofobia, bolsonarismo, incomunicabilidade, solidão, maternidade, velhice, amor, vida, morte etc. A astrologia me chama atenção desde sempre, porque parece algo lírico, divertido, envolvente. Não acredito em astrologia, mas a considero poesia cotidiana no seu sentido mais pleno. Gosto da astrologia por aquilo que ela pode nos fazer refletir. Gosto, também, porque tenho mente taurino-geminiana (nasci na cúspide), isto é, tenho vontade de conhecer de tudo. Acho que meu ascendente em sagitário também me inclina a buscar conhecimentos múltiplos. A minha lua em aquário me salva. Ela me inclina a lidar com pessoas. Do contrário, eu viveria isolado escrevendo doidamente.  

06. Que mensagem você poderia deixar para os nossos leitores/leitoras que ainda não despertaram para o universo literário produzido por mulheres da região Nordeste?
Eu sempre fui vinculado, em minhas pesquisas e leituras, à autoria feminina. Não hesito em dizer que as autoras brasileiras estão profundamente em minha formação e reverberam em minha escrita. A autora do Nordeste que mais estudei foi Rachel de Queiroz. Antes de entrar na graduação, eu já colecionava conteúdos sobre a obra dela. Li todos os romances, peças teatrais e uma boa quantidade de crônicas produzidas por ela. Sou obcecado quando algo me instiga, de modo que Rachel de Queiroz foi minha escolhida para uma longa jornada de estudos. Acho que a escolhi por ela ser cearense, trazer a mulher como protagonista e discutir o Nordeste com maestria. Estou há sete anos escrevendo um livro sobre a obra dela, que sairá em breve. Para as leitoras e os leitores do blog Nordestinados a Ler, gostaria de dizer que é preciso conhecer a literatura brasileira e, dentro dela, a literatura produzida pela muitas personalidades femininas do Nordeste. Essas autoras têm obras à espera de serem lidas, estudadas e compartilhadas. Há tanto a descobrir, quando o assunto é a força da mulher que resiste aos cerceamentos históricos e escrevem, apesar das muitas dificuldades, suas obras em gêneros literários diversos. Não deixem de ler Nísia Floresta, Maria Firmina dos Reis, Emília Freitas, Auta de Souza, Ana Miranda, Natércia Campos, Socorro Acioli, Zélia Sales, dentre outras. O narrador de Rachel de Queiroz diz, n’O Quinze, que: “A gente precisa criar seu ambiente, para evitar o excessivo desamparo… Suas ideias, suas reformas, seu apostolado… Embora nunca os realize… nem sequer os tente… mas ao menos os projete, e mentalmente os edifique…” Ele tem razão. Nós precisamos, sobretudo nesses tempos sombrios, criar um ambiente de leitura, Cultura, Educação e Arte, assim nossas vidas poderão acrescer em sentido e profundidade. Com a pandemia, ficou comprovado que sem a Arte a vida seria insuportável. Para concluir, gostaria de dizer que, dentre as manifestações literárias, a literatura é a que mais amo. Quando a acolhi, minha vida mudou completamente. Acolham a literatura também. Ela tem muito a dizer sobre a existência e seus enfrentamentos.

Sobre o autor:

Cícero Émerson do Nascimento Cardoso

Cícero Émerson é de Juazeiro do Norte/CE. Pesquisador, professor e escritor. São de sua autoria: Breve estudo sobre corações endurecidos (2011)os cordéis A Beata Luzia vai à guerra (2011) e A artesã do chapéu ou pequena biografia de Dona Maria Raquel (2012); A Revolta de Antonina (2015), A dança das contundências (2017), O Casarão sem Janelas (2018) e  O baile das assimetrias (2021)

2 thoughts on “Entrevista com Émerson Cardoso

  1. Ainda bem que Émerson Cardoso está perdendo a timidez e nos dando o prazer e a oportunidade de ver seus escritos. Que maravilha essa entrevista, em que pude conhecer um pouquinho mais desse grande poeta e escritor, um cara lindo, sábio, generoso.

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