“Que importa o sentido se tudo vibra?”. E justamente por vibrar, que Alice Ruiz escreve (contos desde os nove anos e poemas desde os dezesseis) e lê. Sua primeira leitura foi Bíblia, único livro que tinha em sua casa.
Apaixonada pela palavra desde pequena, Alice, que quase foi parar no “país das maravilhas” na adolescência, descobriu em Simone de Beauvoir, escritora, ativista política e teórica social francesa, que a vida de uma adolescente está para além do tédio, da rotina e de crenças limitantes. Compreendeu, após a leitura de Memórias de uma moça bem comportada (1958), “que não era esquisita” e que suas ansiedades tinham razão de ser.
Na adolescência sentiu o maior impacto de sua vida: a literatura. A biblioteca da escola e, depois, a biblioteca pública do Paraná tornaram-se os seus templos. Lá conheceu Monteiro Lobato, Mário Quintana e Jean-Paul Sartre, que a conduziu para o teatro, não para ser atriz, mas para escrever. Nos textos dramáticos do filósofo, Alice ficou contaminada por três conceitos: a liberdade, o engajamento e a responsabilidade.
O romancista de O Ser e o Nada (1943) assumiu a condição também de dramaturgo e optou pelo Teatro de Situações, que partia do pressuposto de que o homem era livre e poderia fazer escolhas o tempo todo. As leituras sartrianas alimentaram o espírito liberto de Ruiz e parecem ter contribuído para que ela tenha sido pioneira “numas coisas do universo feminino”. “Sou quase atrevida em termos de vida”, complementa. Eu retiraria o vocábulo “quase” só para deixar a frase mais sonora e fidedigna acerca da história da escritora.
Nascida no dia 22 de janeiro de 1946, casada com o poeta Paulo Leminski (já falecido), mãe de três filhos: Miguel, Áurea e Estrela, autora de 21 livros, ganhadora do Prêmio Jabuti de poesia no ano de 1989 com a obra Vice-versos e, em 2009, com Dois em um, Alice Ruiz é uma curitibana, que se nutre da natureza, do ato de plantar e mexer na terra. Para além disso, é poeta, haicaísta, letrista, tradutora e uma defensora árdua de pautas progressistas que incluem os direitos das mulheres. No final da década de 70 e início da 80, ela escreveu para o Diário Paraná; Revista Rose, que se propunha a “informar as mulheres e tirar a roupa dos homens”; Grafitar e revista cultural Raposa Magazine, todas de Curitiba.
Em seu primeiro livro Navalhanaliga (1980), no poema “Drumundana” parodia o poeta gauche Carlos Drummond de Andrade no seu texto “José” e retoma a discussão das “mães super” com “vida sub”: “e agora, Maria? / o amor acabou / a filha casou / o filho mudou / teu homem foi pra vida / que tudo cria / a fantasia / que você sonhou / apagou / à luz do dia / e agora, Maria?…”. Eu sugeriria que “em caso de dor” pôr gelo; mudança no “corte de cabelo”; um sorriso “ainda que amarelo”; e se “chorar for inevitável”, “sinta o gosto do sal, sal, sal”… e, claro, criar uma existência que “faça fazer sentido” (Poema Milágrimas).
Alice Ruiz, para quem escrever é se fazer ouvir, nunca acreditou em uma educação que apenas diz, ensina ou pior: reprime. Defensora do exemplo “e nada mais”, também não acredita (e critica a redução da mulher a sua função biológica) em mães super: “super agasalham”, “super alimentam”, “super protegem” e “super usam seu tempo”, exclusivamente “com a única função de sua sub vida: os filhos”, como mostra seu artigo As mães ainda não estão em dia.
Que estejamos em dia, assim como Ruiz: super sentido, super lendo, super escrevendo, super pensando em palavras que mudam o mundo, porque cada vez que um poeta se põe a cantar e expõe sua subjetividade, “Um novo mundo nasce / Na palavra que penso” (Penso e passe).
Sobre a autora:
Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler