Carta de fã

Belchior, te escrevo, enfim, aquela carta de fã, que você esperaria de mim. Sabe, quase que ia te fazendo um poema, mas quem sou eu, mentalidade mediana, para tentar te colocar nas palavras comuns do meu vocabulário limitado.

Por favor, não confunda as coisas, nem vá me chamar de vulgar, mas sob o efeito do teu canto torto feito faca de ponta, te faço sereia e eu, como um Odisseu liberto do mastro, me lanço ao mar das tuas palavras, que são navalhas, como um punhal que corta a carne de quem te ouve.

Meu amigo, há muitos horrores nessa vida, tem veneno em toda a terra, mil fumaças pelo ar. Mas não se assuste com o que lhe direi, isto é somente uma carta de fã, a vida realmente é diferente, ao vivo é muito pior. A nossa gente honesta, boa e comovida, já desistiu de caminhar para a morte pensando em vencer na vida. Acabou-se a sensação da missão cumprida. Só quem não tem nenhuma simpatia pela raça humana pode insistir num desrespeito tão flagrante ao direito de existir. Sei que assim falando pensas que esse desespero é coisa do século XXI, mas como não ligar para essas coisas mesmo tendo a alma apaixonada? 

Você já ouviu falar de política, Belchior? Parece que eles venceram, mas não venceram. Mesmo que o sinal esteja fechado pra nós, mesmo que haja perigo em cada esquina. Eles não venceram! Porque temos diploma de sofrer de outra universidade. E, mesmo que qualquer sofrimento passe, o ter sofrido não. O inimigo, a gente já conhece e dessa vez, nossa esperança de jovens vai acontecer. 

Sabe, Belchior, são os amigos que embarcaram em mim, cheios de esperança e fé, que me fazem acreditar que viver é melhor que sonhar, que amar e mudar as coisas ainda são os mais interessantes dos riscos do grande perigo de simplesmente estar vivo.

Pra terminar, minha canção favorita, para ouvir de corpo todo, é aquela que você canta pra mim, com tua voz de gato violento e cruel, que adoça meu pranto e meu sono, me jogando na cara a verdade nua e crua, como se fosse pecado, com frases feitas de espinho e, que graças a Deus, perco sempre o juízo quando a ouço.

Belchior, encerro aqui a minha carta de fã. Eu poderia te escrever o mundo, já que meu paraíso é a palavra. Mas eu queria mesmo era falar das coisas que aprendi nos discos e tirar dos ombros, a angústia superior à de um goleiro na hora do gol, que é viver neste tempo (presente), em que o passado é uma roupa que não nos serve mais, mas insistem em nos fazer vesti-lo novamente. No mais, vamos sobrevivendo.

Um xêro,

Shirley Pinheiro.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro
Shirley Pinheiro

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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