Quando questionado em entrevistas acerca de quem era Vinícius de Moraes, sua resposta era sempre a mesma: “eu sou um labirinto em busca de uma porta de saída”. Mas se existia uma saída, ele parece nunca ter encontrado. Aos olhos de quem o lê, Vinícius de Moraes, apelidado carinhosamente de poetinha, foi um homem apaixonado, que fez de todas as mulheres suas musas inspiradoras.
Nascido em 19 de outubro de 1913, no Rio de Janeiro, Vinícius de Moraes foi poeta, jornalista, diplomata, dramaturgo, cantor e compositor. Torcedor do Botafogo, apesar de, frequentemente, ouvir dos amigos que tinha tudo para ser flamenguista, foi um dos principais nomes do Modernismo brasileiro, sendo a sua poética uma das mais prestigiadas na chamada Geração de 30.
Para Vinícius a vida não fazia sentido sem paixão, não é à toa que se casou nove vezes e manteve diversas amantes ao longo de sua vida. Sua obra é repleta de poesias, cuja principal temática era a arte de amar as mulheres. Muitos foram os sonetos dedicados, ao que ele dizia ser, o mais importante dos sentimentos humanos: o amor. É difícil se deparar com alguém que não conheça o Soneto de Fidelidade:
De tudo, ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Mas quem pensa que Vinícius de Moraes debruçou-se somente ao amor, muito se engana. A produção do poeta carioca se divide em três momentos. No primeiro, o público se depara com um poeta metafísico, com uma poesia que apresenta traços religiosos, resultantes de sua fase cristã. “[…] Eu sou o incriado de Deus o que não pode fugir à carne e à memória […]” (O INCRIADO, 1935). No segundo momento, Vinícius se apresenta como um poeta do cotidiano, seu trabalho assumindo linguagem mais simples e coloquial, muitas vezes tomando rumos biográficos, o que associou sua imagem pessoal à obra literária, que seguem indissociáveis até os dias atuais. Estudiosos afirmam que Vinícius de Moraes rompia a fronteira que separa a vida da imaginação. No terceiro momento, encontra-se o poeta engajado, cujos versos mostram-se cheios de abordagens políticas e sociais, como A Rosa de Hiroshima (1946), poesia cantada por Ney Matogrosso em 1972, criada em protesto à bomba atômica que explodiu nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, durante a segunda Guerra Mundial.
Em 1979, Vinícius de Moraes leu o poema Operário em Construção, numa assembleia do sindicato dos metalúrgicos, a convite de Luiz Inácio Lula da Silva, até então líder sindical da ABC Paulista. Escrito em 1959, o poema narra um trabalhador e o momento em que compreende o padrão de exploração sofrido por ele para “enriquecer” o patrão:
[…]
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução
[…]
Essa tomada de consciência do operário em construção, resultou no entendimento de suas condições trabalhistas, logo dos próprios direitos. Conhecimento este, que falta a muitos trabalhadores brasileiros. Em pesquisa realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), de janeiro a junho de 2021, 772 trabalhadores foram resgatados em situações que se assemelhavam à escravidão, tendência que tem crescido com aumento exponencial do desemprego e da fome em decorrência da crise sanitária do covid-19 e de um governo cruel, que não faz questão de disponibilizar os meios básicos de sobrevivência à população. Em agosto de 2021, veio a público o caso da babá Raiana Silva, que pulou do terceiro andar de um prédio em Salvador, após sofrer agressões da patroa e ter sido trancada no banheiro. Sobre as condições de exploração de trabalho, o subsecretário de Inspeção do Trabalho, da Secretaria do Trabalho do MPT, Rômulo Machado Silva diz que “qualquer geração de aumento de pobreza e vulnerabilidade social impacta no trabalho forçado, no trabalho escravo. Abre espaço para a submissão e também para o trabalho infantil” (Poder360, 2021).
Para mudar essa situação, faz-se necessário a reeducação desses trabalhadores acerca dos próprios direitos, garantidos na constituição. Ideais que estão longe de se tornarem realidade, uma vez que o Presidente da República se mostra favorável a propostas de medidas provisórias que diminuem drasticamente a qualidade empregatícia no Brasil, em detrimento aos interesses dos empregadores. Mas, Vinícius de Moraes, através de seu operário em construção, mostra-se esperançoso com amanhã:
[…]
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
Além de poeta, Vinícius de Moraes foi diplomata no Itamaraty por 26 anos, até ser aposentado pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 1969; também foi dramaturgo, sendo Orfeu da Conceição, seu espetáculo mais conhecido, uma releitura do mito grego de Orfeu.
E é impossível falar do poetinha, sem citar sua carreira musical. Sua relação com a música é recheada de parcerias com diversos nomes da Música Popular Brasileira: Chico Buarque, Adoniran Barbosa, Pixinguinha, Toquinho (com quem compôs Aquarela). Muitas foram as parcerias com Tom Jobim, que perduram até hoje nas vozes de diversos cantores da MPB, dentre elas, a composição Garota de Ipanema, internacionalmente conhecida e gravada mais de duzentas vezes ao redor do mundo.
Vinícius de Moraes foi um homem movido pelo amor às mulheres e aos amigos. Muitos foram os amigos, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto; e muitas foram as mulheres, que ele veementemente dizia temer. Em suas palavras, o fundamental para viver em equilíbrio é amar, “amar muito e sempre” e desenvolver uma certa seletividade, para “não amar as pessoas erradas”, mas às certas, “às essas [pessoas] que valem a pena a gente se dá integralmente”.
FONTES:
ARQUIVO NACIONAL. Vinícius de Moraes. Youtube, 05 de mar. de 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lZAVdN3P67E > Acesso em: 15 de out. de 2021.
MORAES, Vinícius de. Antologia poética.1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
REGISTROS DE EXPLORAÇÃO DO TRABALHO AUMENTAM COM O DESEMPREGO E PANDEMIA. Poder360, 2021. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/brasil/registros-de-exploracao-do-trabalho-aumentam-com-desemprego-e-pandemia/ > Acesso em: 15 de out. de 2021.
VIDA E OBRA DE VINÍCIUS DE MORAES. Vinícius de Moraes. Disponível em: <https://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br > Acesso em: 15 de out. de 2021.
VINÍCIUS DE MORAES. Vinícius de Moraes (Canal Oficial)_Painel Otto Lara Resende entrevista Vinicius de Moraes (1977).Youtube, 07 de set. de 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1TsKPFkuUUk> Acesso em: 15 de out. de 2021.
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.