“Veja o senhor como as coisas aparentemente inofensivas inutilizam um cidadão…” Trata-se de um desabafo do memorialista, escritor, jornalista, homem político – Prefeito de Palmeira dos Índios, Diretor da Imprensa Oficial e da Instrução Primária de Alagoas-Maceió – Graciliano Ramos (1892-1953), preso no ano de 1936, no Governo de Getúlio Vargas, sob a alegação de subversão e de associação ao comunismo.
O criador de Caetés é um dos escritores mais emblemáticos da Literatura Brasileira das décadas de 1930 e 1940, que expôs as mazelas sociais vigentes de seu país, especialmente, do Nordeste, uma região até hoje castigada pela seca, pela fome e pelo descaso do Governo Federal, e, como não bastasse, que carrega a pecha de uma localidade atrasada e subdesenvolvida, criada por uma elite que não aceita que os nordestinos rompam fronteiras na Política, na Educação e/ou na Cultura.
Criador de narrativas – São Bernardo (1934) e Vidas Secas (1938) – fortes e inquietantes que expõem as desigualdades em sociedades democráticas e personagens (Paulo Honorário, Cachorra Baleia, Sinhá Vitória, Fabiano,) profundos, instigantes e que representam os mais diferentes substratos sociais – Graciliano Ramos não esconde a dureza do mundo, pelo contrário, expõe os conflitos vivenciados por uma gente que apesar das pedras no caminho, para lembrar o poeta gauche Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), na mesma intensidade de suas lutas e resistências.
Dono de uma visão amarga e pessimista do mundo, detentor de um estilo enxuto, cirúrgico e com uma densidade psicológica capaz de retratar cenas memoráveis – Fabiano e o soldado amarelo, a morte da cadela Baleia, o sonho de Sinhá Vitória com a cama de fitas de couro e um futuro melhor – mostra-nos um escritor consciente de seus apetrechos de trabalho e do seu papel político-social.
Um dos méritos de Graciliano Ramos foi, justamente, registrar e ficcionalizar os eventos que lhe sucederam na infância, além de reinterpretar a sociedade na qual estava inserido pelo viés da crítica contundente às instituições e aos homens que usavam seu poder para humilhar, oprimir e subalternizar os menos desfavorecidos, até mesmo em seus romances memorialísticos – Memórias do Cárcere (1993). Isso é possível nas sociedades capitalistas que possibilitam a ascensão daqueles que nada têm, mas, que se desumanizam no processo de crescimento ascendimento.
Graciliano Ramos (1892-1953) escrevia para ser lido, para ser debatido, para levar o leitor à reflexão e para denunciar os problemas sociais de seu tempo. Defensor árduo da democracia e do uso da palavra, não aquela que “enfeita ou brilha como ouro falso”, porque a palavra foi “feita para dizer”, em sua concepção. Símbolo de comunicação entre os homens, dotada de poder simbólico, a palavra foi para Graciliano seu meio de transporte favorito. Por meio dela, expôs contradições e desenganos individuais e coletivos.
Na condição de homem-político-escritor, o criador de narrativas marcadas pela interioridade das personagens, como é o caso de Luís da Silva, de Angústia (1936), se propôs e, assim o fez, a ser uma voz a ecoar as relações violentas e arbitrárias entre explorados e exploradores, já que o público-leitor clamava ao escritor uma tomada de posição frente a certos acontecimentos. Ser escritor é, antes de tudo, um compromisso com seu tempo e com sua gente. Graciliano bem o sabia disso!
Sobre a autora:
Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler