Que mistérios tem Clarice?

Que mistério tem Clarice, pra guardar-se assim tão firme, no coração de uma nação inteira, mesmo depois de cem anos de seu nascimento? A pergunta, parafraseada a partir dos versos do cantor baiano Caetano Veloso, reflete a popularidade de Clarice Lispector (1920-1977) entre os jovens leitores do século XXI, considerada por seus biógrafos superior à sua época. Quanto a uma possível resposta: o amadurecimento dos leitores em relação ao entendimento da obra da escritora, que também foi jornalista, contista, cronista e romancista. Mas para entender Clarice Lispector é preciso senti-la, como ela mesma afirma em entrevista da TV Cultura (1977) –  “Suponho que o entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato”.

Considerada a maior escritora da terceira fase do modernismo, a “geração de 45”, Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920, na Ucrânia, terra que nunca considerou como sua, afinal, nas próprias palavras: “naquela terra literalmente nunca pisei: fui carregada de colo”. Clarice era naturalizada brasileira. Considerava-se pernambucana, onde viveu grande parte de sua infância.

Uma mulher à frente de seu tempo (e consciente disso), Clarice nos entrega uma obra intimista e filosófica, que mostra “a força contida, pronta para arrebentar em violência” de uma escritora que se propõe a romper as barreiras de linguagem e ideais, uma mulher que escrevia e publicava história sobre mulheres – solitárias, resistentes, introspectivas, etc.

Em sua crônica, As três experiências, Clarice Lispector diz que nasceu para escrever “a palavra é meu domínio”. E assim foi. Aos 21 anos, a escritora, que desde os sete “adestrou-se” para ter a língua em seu poder, publicou seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem (1944), que introduz aos leitores uma protagonista que já apresentava a profundidade envolta nas personagens clariceanas. No mesmo ano, a obra venceu o Prêmio Graça Aranha de melhor romance de estreia.

Clarice Lispector era dona de um estilo próprio, de uma linguagem que transitava entre a prosa e a poesia – uma prosa poética. Foi uma das poucas mulheres a ingressar na Faculdade Nacional de Direito, onde conheceu Maury Gurgel Valente, que se tornaria seu marido, em 1943. Como esposa de um diplomata, Clarice conheceu o mundo, viajou para a Itália, para os Estados Unidos, Inglaterra, dentre outros. Em sua vida a maternidade foi uma escolha, assim, tornou-se mãe de Pedro e Paulo.

Clarice Lispector definia-se como uma mulher “tímida e ousada”, detestava ser chamada de hermética e dizia não escrever “para agradar ninguém”. Autora de O Lustre (1946); A Cidade Sitiada (1949); A Paixão Segundo G.H. (1964); Água-viva (1973), seu último romance foi A Hora Da Estrela (1977) publicado alguns meses antes de sua morte e considerado sua obra-prima, a única que abordava temas sociais. É a história de Macabéa, “uma moça tão pobre que só comia cachorro quente. […] De uma inocência pisada, de uma miséria anônima”.

Ler Clarice Lispector é como encontrar-se com uma das mulheres mais excepcionais que já existiram, é deparar-se com uma escrita profunda e poética, é descobrir a si mesma no cotidiano de mulheres solitárias e comuns, descritas de forma inédita. Afinal, que mistério tem Clarice, que transforma uma menina com um livro, em uma mulher com seu amante?

Fontes:

LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

—————. Perto do Coração Selvagem. Rio de Janeiro: ‎Editora Rocco; 2019

—————. O Primeiro Beijo e outros contos. In: Felicidade Clandestina. 12ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1996. p. 52-55.

TV CULTURA. Panorama com Clarice Lispector. YouTube, 7 de dez. 2012. Disponível em: <https://youtu.be/ohHP1l2EVnU>. Acesso em: 04 de dez. 2021.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro
Shirley Pinheiro

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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