Luciana Bessa
Recife é terra de literatos e cantadores. Ou seria mais adequado dizer: cantadores literatos? Sinceramente não vejo muita diferença, porque no fim o que importa é se embriagar da Literatura e da Música (e o que mais vier) recifense capaz de emocionar, criticar e exprimir uma cidade que “não para”, uma cidade que “só cresce”, cuja fama “vai além dos mares” levando “Do Oiapoque ao Chuí” embolada, samba e maracatu (Música – “A cidade”).
Manuel Bandeira (1886-1968), poeta que escreveu versos como quem morre, também exaltou Recife, não aquela das “revoluções literárias” que aprendeu a amar nos livros, mas a da sua infância, onde tinha a casa do seu avô, a “Rua da União” e a “Rua do Sol” (Poema: “Evocação do Recife”).
Francisco de Assis França, ou simplesmente, Chico Science (1966-1997), cantor e compositor de inteligência aguçada e intuitiva, misturou ritmos (hip-hop, funk, soul, rock, maracatu, etc), criou grupos musicais como “Orla Oribe” e “Loustal” (em homenagem ao quadrinista Jacques de Loustal), fundiu outros como o “Chico Science e Lamento Negro” e como dentro dele era só inquietação, refundiu-os: “Chico Science e Nação Zumbi”.
Nos fins de 1980, a Recife de Bandeira era um caos cultural. Science, um artesão dos sons, foi um dos responsáveis (junto com um grupo de amigos que não se conformava das rádios pernambucanas só tocarem axé baiano e rock do Sudeste) por trazer luz e cor à sua terra natal através de um movimento musical chamado “Mangue Beat” (mangue, ecossistema característico da região Nordeste; beat, batida).
“Essa coisa que é linda” elegeu a tecnologia como a marca do movimento que valorizava a cultura regional nordestina, o senso de identidade e aproveitava para criticar as condições precárias da população e do manguezal. Não é à toa que o símbolo do movimento era um caranguejo, animal típico dos mangues e fonte de alimentação para as comunidades locais. Ser um “Mangue Beat” era ser um “Caranguejo com cérebro” capaz de difundir ritmos alegres, contagiantes e contestatórios.
Chico Science legou-nos apenas dois álbuns: “Da lama ao caos”,1994, (destaque para as músicas “A Praieira” e “A Cidade”, temas das novelas Tropicaliente e Irmãos Coragem, respectivamente) e “Afrociberdelia”, 1996, (destaque para “Maracatu Atômico”), mas que ficaram registrados na memória daqueles que se permitem contaminar pela música.
Ambos figuraram no rol dos “100 melhores discos da música brasileira”. Em 2008, a “Lista dos Cem Maiores Artistas da Música Brasileira” divulgada pela revista Rolling Stone incluiu o nome de Chico Science (16ª lugar).
O menino que nasceu Francisco de Assis de França no dia 13 de março de 1966, em Olinda, fã de James Brown, que não conheceu Bandeira (falecido quando ainda era um garoto de dois anos de idade, mas que também evocou Recife e sua gente), que incluiu o chapéu de palha e a chita em sua indumentária, que construiu sua trajetória “Sempre certo na contramão”, segundo ele próprio, metamorfoseou-se em Chico Science e no dia dois de fevereiro do ano de 1997 sofreu um acidente fatal.
Caso deseje sentir o Recife de Chico Science recomendo passar primeiro na “Rua da Moeda”. Caso não seja possível, peço que escute Chico Science em qualquer plataforma digital.
Sobre a autora:
Luciana Bessa Silva
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler