De Gados e Homens, um livro para ser  lido por todos

Quando resolvi ler De Gados e Homens, muitas tinham sido as vezes em que eu tinha visto a obra de Ana Paula Maia em listas de livros que “todo mundo precisava ler antes de morrer”. E é claro que coloquei logo na minha lista de interesses. No entanto, à medida que crescia a vontade de ler o livro, crescia também certa relutância quanto à leitura do mesmo. Meu medo era me deparar com uma história dolorida, dessas que levam tempo para serem superadas. De fato, eu não poderia estar mais correta em minha pré-concepção, ao mesmo tempo em que estavam corretas as listas que me levaram até ele. De Gados e Homens é um livro para ser lido por todos.

Narrado em terceira pessoa, a obra de Ana Paula Maia se passa no matadouro Touro do Milo, um espaço cingido pela morte de gados e homens — “A morte tange todo o perímetro percorrido, tanto na estrada quanto no rio contaminado que corta a região” —, um lugar onde sangue e solo se misturam e, juntos, regam as mãos do capitalismo.

É nesse contexto que Edgar Wilson trabalha como atordoador do gado do matadouro de Seu Milo. Um homem de confiança para o patrão, é responsável pela pior parte de todo o processo que transforma aqueles animais em carne para hambúrgueres, o de matá-los. E Edgar Wilson é certeiro em seu ofício. Um toque na testa do boi para acalmá-lo, o sinal da cruz desenhado no mesmo local, uma troca de olhares entre o gado e o homem. O animal sabe que vai morrer, o cheiro de morte emana de Edgar Wilson e se intensifica quando sua marreta encontra a fronte do animal, no mesmo lugar marcado pela cruz. O ritual de morte se repete diariamente, centenas de vezes. Embora haja piedade da parte do atordoador, não há questionamentos, nem remorsos. Edgar Wilson “Sabe que seus dias de predador continuarão, e que derramar sangue ainda será seu meio de sobrevivência. É o que sabe fazer. […] Não há ninguém que o impeça, pois homens como ele são poucos, que são homens para matar. Os que comem são muitos e comem de modo que nunca se fartam. São todos homens de sangue, os que matam e os que comem. Ninguém está impune”.

No entanto, o que ninguém espera são os acontecimentos que se seguem, vacas abortando, bois enlouquecendo e se jogando de encontro à parede, dezenas de gados desaparecendo sem nenhuma explicação plausível e se jogando de penhascos — “Vacas não se matam sozinhas. A gente é que mata elas”. Um mistério que não está lá para ser resolvido, mas que é facilmente conclusivo: “Estavam fugindo do predador”, o maior de todos e também o mais sanguinário: o homem.

O protagonista, Edgar Wilson, é recorrente nas obras de Ana Paula Maia, inspirado no escritor norte-americano Edgar Allan Poe e seu conto William Wilson, o atordoador fez sua primeira aparição em 2007, no livro A Guerra dos Bastardos, e a mais recente em 2021, na obra A Cada Quinhentos uma Alma.

Publicado em 2013, pela Editora Record, De Gados e Homens não é uma obra para se inspirar, não levanta pautas sobre veganismo, nem está lá para conscientizar ou culpabilizar consumidores de carne, é um retrato do homem como ser social, rendido ao capitalismo, impiedoso com seus semelhantes que morrem de fome aos seus pés e com os seres mais fracos que eles. Uma narrativa dura e cruel, sem nenhuma poesia intrínseca, somente a crueza de uma realidade a qual fechamos os olhos.

Referências:

MAIA, Ana Paula. De gados e homens. Rio de Janeiro: Record, 2013.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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