Lygia Fagundes Telles, a dama da Literatura Brasileira

Uma das minhas primeiras memórias literárias, Lygia Fagundes Telles, considerada a dama da literatura brasileira, foi subversiva em diversas áreas da sua vida. Nascida em 19 de abril de 1918, em São Paulo, foi advogada e escritora, a maior de sua época. Escrevia sobre personagens femininas independentes e empoderadas. Uma referência para as mulheres de seu tempo e para as gerações futuras.

A terceira mulher a ocupar uma cadeira (nº 16) na Academia Brasileira de Letras, Lygia Fagundes Telles se consolidou em áreas majoritariamente masculinas. Foi uma das primeiras mulheres a se formar na Faculdade Direito do Largo do São Francisco e, com tal pioneirismo, enfrentou os julgamentos de uma sociedade patriarcal. Em um relato, a autora comenta um episódio ocorrido na época, “Em um tempo remotíssimo, quando entrei na faculdade de direito no largo São Francisco, as mulheres eram minoria absoluta. Éramos seis ou sete mocinhas assustadas, virgens, e aquele monte de homens. Um deles me perguntou: “O que você veio fazer aqui? Casar?” Eu respondi: “Também”.”. 

O machismo também perseguiu Lygia em seu ofício como escritora. Por ser muito bonita, diversas vezes não foi levada a sério, em uma carta para Érico Veríssimo, a autora, que fez sua estréia literária em 1938, com o livro Porão e Sobrado, narra a ocasião em que tentava publicar seu segundo livro e o editor preferiu colocar sua foto na capa do livro, o que em nada a agradou — tenho um livro pronto! Sim senhor! Um livro com 14 contos! Dei-o a um editor mas o diabo do homem, antes de ler os originais, cismou que a minha cara devia ser muito mais interessante do que os contos todos e por isso, decidiu botar o meu retrato no livro. Com bons modos, disse-lhe que achava isso muito ridículo. Insistiu. Fiquei zangada; minha cara nada tem a ver com a obra. […] Conclusão: sugeri que botasse o retrato da avó dele. Nesse ponto, resolveu não falar mais nisso. Mas aí eu já estava de mau gênio e exigi a papelada de volta”. O livro em questão era Praia Viva (1944).

A obra literária de Lygia Fagundes Telles abordava os mais variados temas e estilos, seus contos e romances eram repletos de erotismo, mistérios e tensão política. Em As Meninas (1973), apesar da censura e repressão dos governos ditatoriais, a autora publica no corpo do texto, um relato original de tortura, retratando sua coragem, ousadia e descontentamento diante do cenário de violência vigente. A escrita de Lygia flertava com o fantástico e com o sobrenatural, em seus contos o terror era principalmente o cotidiano. Acostumada a falar sobre a frágil condição humana numa sociedade a qual estava inserida, suas personagens eram mulheres fortes e independentes, algumas delas ainda mais subversivas, uma vez que desviavam do padrão heteronormativo e protagonizaram romances homoafetivos, como Letícia e Virgínia em Ciranda de Pedra (1954), Gina e Oriana no conto Uma Branca Sombra Pálida (1995).

Meu primeiro contato com Lygia foi ainda no ensino médio, quando fiquei encantada e aterrorizada com o desfecho do conto Venha Ver o Pôr do Sol (1987), que por anos percorreu minha memória e foi alvo de muitas releituras. Desde então, cada reencontro com sua escrita é marcado pelo mesmo encantamento da primeira obra lida. Uma das minhas autoras favoritas, Lygia Fagundes Telles nos deixa seu legado artístico simbolizado pelos três Prêmios Jabutis vencidos ao longo de sua vida; um Prêmio Camões, o mais importante para os escritores de Língua Portuguesa; e uma indicação ao Prêmio Nobel de Literatura, em 2016. 

REFERÊNCIAS:

BEZERRA, Elvia. Andante con amore: 90 anos de Lygia Fagundes Telles. Instituto Moreira Salles, 2013. Disponível em: <https://blogdoims.com.br/andante-con-amore-90-anos-de-lygia-fagundes-telles-por-elvia-bezerra/>

RIBEIRO, Ana. Lygia Fagundes Telles revê seus livros e sua vida. Folha de S. Paulo, 2009. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/serafina/sr2607200903.htm>

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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