Olga Savary: “Eu sou um ser erótico”

Aos 19 anos, com um exemplar do próprio livro embaixo do braço e a ousadia de uma poeta em ascensão, Olga Savary visitava o antigo Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro, onde trabalhava o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, aquele que viria a se tornar um grande amigo e admirador (de sua beleza e poesia). A intenção da jovem era convencer o autor de Alguma Poesia (1930) a ler os cem poemas que ela reunira naquele “livrinho”. Mal sabia que naquele momento despertara o encantamento de um dos maiores poetas da Literatura Brasileira e que dali em diante seria a musa de vários poemas não publicados, dentre eles Miragem (1955).

Miragem

Chegou, impressentida e silenciosa,

Com uma saudade eslava nos cabelos

E um ritmo de crepúsculo ou de rosa.

Os olhos eram suaves e eis que ao vê-los,

Outra paisagem, fluída, na distância,

Sugeria doçuras e desvelos.

No coração, agora já sem ânsia,

paira a serenidade comovida

que lembra os puros cânticos da infância.

Logo depois se foi, mas refletida

nesse espelho interior, onde as imagens

se libertam do tempo, além da vida,

Olenka permanece entre miragens.

(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, 1955)

Nascida em 21 de maio de 1933, em Belém, no Pará, Olga Savary foi jornalista, tradutora, poeta, contista e romancista, dona de uma vasta obra (mais de vinte livros) e de uma coleção de prêmios (mais de quarenta), aos quais se juntam um Jabuti de autor revelação em 1971, pelo livro Espelho Provisório (1970), um Prêmio Arthur Salles de Poesia, com a obra Berço Esplêndido, em 1987 e um Jabuti pela tradução do livro Como Água Para Chocolate, da escritora mexicana Laura Esquivel.

Olga Savary foi pioneira na publicação de haikais e se dizia orgulhosa em ser a primeira mulher brasileira a se dedicar à arte das poesias curtas oriunda da cultura japonesa. Também era com muito orgulho que a paraense falava sobre o título de primeira mulher a publicar poesia erótica no Brasil, quando, em 1982, deu à luz ao livro Magma, que reúne, em poemas, o erotismo de uma mulher que descobriu aspectos da própria sexualidade na curva perigosa dos quarenta (quase cinquenta), parafraseando seu amigo Drummond.

Eu sou um ser erótico. Gosto disso”, dizia. Olga Savary falava abertamente sobre sexo, aos 46 anos teve um dos orgasmos mais intensos de sua vida, com um jogador 24 anos mais jovem. Assim, com muita naturalidade e bom humor, Olga abordava temas como o prazer feminino, e a sexualidade de pessoas idosas, ainda hoje considerados tabus em nossa sociedade e pouco explorados pelas produções televisivas e cinematográficas, que tendem a adotar posturas etaristas, salvo raras exceções, como a série de TV norte-americana Grace & Frankie, estrelada por Jane Fonda e Lily Tomlin, que aborda a prática sexual na terceira idade, bem como homossexualidade nessa faixa etária, questões de gênero e autoestima das mulheres com mais de 80 anos.

Olga Savary iniciou na arte da literatura aos 11 anos. Com o incentivo de um vizinho, produzia um jornalzinho, que viria a ser um ensaio de O Pasquim, jornal que fundou com o ex-marido, Jaguar, e outros jornalistas. Olga trabalhou até o fim da vida, quando partiu em 2020, vítima de Covid-19, em parte porque era apaixonada “por este malandro chamado literatura” e em parte pelas dificuldades financeiras que vinha enfrentando, afinal, “no Brasil, poeta morre de  fome”.

Autora que emociona e encanta, Olga Savary permanece eternizada em seus versos e no compromisso que assumimos ao lê-la e livrá-la do esquecimento legado a nós mulheres.

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

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