Gilberto Gil, 80 anos de encantamento

“Eu Preciso Aprender a Ser Só

Reagir

E ouvir

O coração responder

“Eu preciso aprender a só ser””

(Gilberto Gil, 1973)

Uma vez, o poeta Guibson Medeiros disse que não pediu para nascer nordestino, teve foi uma sorte danada! Já Bráulio Bessa, versou que quanto mais é nordestino, mais tem orgulho de ser. Em concordância com os dois poetas, acrescento que a arte que desperta aqui, não desperta como lá. Seria este um pensamento regionalista? Provavelmente. Mas convenhamos, qual outra região brasileira nos presenteou com tantos artistas — escritores, poetas, músicos — sensíveis e revolucionários, que conquistaram os outros estados do país, tal qual o Nordeste?

Nordeste é poesia”, como dizia Patativa do Assaré, e com a arte de sua terra pulsando nas veias, em 26 de junho de 1942 nasceu, em Salvador, na Bahia, um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira. Gilberto Passos Gil Moreira, ou simplesmente Gilberto Gil (ou Gil), é cantor, compositor, escritor e intelectual, uma influência cultural que nos encanta há 80 anos.

Inspirado em Luiz Gonzaga e em Dorival Caymmi, na infância decidiu que iria aprender a tocar acordeon, por quatro anos frequentou a Academia de Acordeon Regina. E foi como acordeonista que, em 1959, ele começou a se apresentar em festas de aniversário, escolas e clubes da capital baiana. Daí em diante não parou mais. Em 1962, escreveu suas primeiras composições e no ano seguinte lançou seu disco de estreia, Gilberto Gil — sua música.

Um homem de várias parcerias, tão logo se juntou a outros baianos — Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa — numa união duradoura, que se estendeu para além do campo profissional. Juntos, os quatros, ao lado do cantor Tom Zé, inauguraram o Teatro Vila Velha de Salvador, com o show “Nós, por exemplo”, em 1963. Foi ao lado de Caetano e Gal, que Gil lançou o movimento Tropicália, num disco coletivo que incluía Nara Leão, Mutantes e Rogério Duprat.

O Tropicalismo foi um movimento cultural, no qual se destacou principalmente no âmbito musical, que reuniu aspectos da cultura pop aos gêneros nacionais, fundindo elementos da música inglesa e americana aos estilos de João Gilberto e Luiz Gonzaga, por exemplo. Pelo teor crítico, em especial às desigualdades sociais, o movimento foi reprimido pelos governos ditatoriais em vigor na época, e o resultado foram várias prisões de artistas, dentre eles Gilberto Gil e Caetano Veloso, que foram obrigados a exilar-se na Inglaterra, em 1969.

Durante o exílio, Gil gravou um disco todo em língua inglesa, mas foi sua última gravação antes do exílio que marcou gerações. Aquele abraço (1969) ficou conhecido como o samba de despedida, uma provocação aos ditadores que perseguiam e censuravam sua arte — “[…] Meu caminho pelo mundo/ Eu mesmo traço/ A Bahia já me deu/ Régua e compasso/ Quem sabe de mim sou eu/ Aquele abraço/ Pra você que me esqueceu/ Aquele abraço/ Alô Rio de Janeiro/ Aquele abraço/ Todo o povo brasileiro/ Aquele abraço”. O retorno ao Brasil, aconteceu em janeiro de 1972, já com os preparativos de um novo álbum, Expresso  2222, lançado meses depois, sendo “Back in Bahia” uma das canções mais marcantes, a sua própria Canção do Exílio — “Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui/ Vez em quando, quando me sentia longe, dava por mim/ Puxando o cabelo nervoso, querendo ouvir Celly Campelo pra não cair/ […] Tanta saudade preservada num velho baú de prata dentro de mim/ Digo num baú de prata porque prata é a luz do luar/ Do luar que tanta falta me fazia junto do mar/ Mar da Bahia cujo verde vez em quando me fazia bem relembrar/ Tão diferente do verde também tão lindo dos gramados campos de lá/ Ilha do Norte onde não sei se por sorte ou por castigo dei depara”.

A presença de Gilberto Gil na política não se resumiu às críticas em suas músicas, entre 1989 e 1992, foi vereador em Salvador, foi ministro da cultura durante parte dos dois mandatos do governo Lula, embaixador da Organização das Nações Unidas (ONU) para agricultura e alimentação. Vencedor de diversos Grammy Awards e eleito Artista Pela Paz, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura  (UNESCO), em 2021 foi eleito para a cadeira nº 20, da Academia Brasileira de Letras (ABL).

A obra musical de Gilberto Gil passeia pelos mais diversos estilos — baião, samba, bossa nova, rock, reggae, funk e ritmos baianos. Em mais de 50 anos de carreira, levou sua música para todos os cantos do mundo — Europa, Américas e Oriente. E nesse período nos ensinou a andar com fé (no próximo e no amanhã), pois “a fé não costuma faiá”, nos lembrou que um copo vazio está sempre cheio de ar “Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho/ Que o vinho busca ocupar o lugar da dor/ Que a dor ocupa metade da verdade/ A verdadeira natureza interior”. Ouvir Gilberto Gil é aprendizado, é prazer e é poesia!

Sobre a autora:

Shirley Pinheiro

Graduanda em Letras pela Universidade Regional do Cariri.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *