O ventilador no meio da rua

Alexandre Lucas

Ainda é cedo para sonhar, dizia o senhor com a camisa aberta e os botões perdidos. Enquanto o pombo com seus passos curtos ousava em roubar a comida do gato, podia não sonhar, mas sabia voar.  Cheia de planos observava o pombo e o senhor descrente.  A ansiedade dava sinais de presença, o único controle que tinha era o da televisão.

Na televisão a vida parece ser mais fácil. Tudo é sempre mais bonito: os homens, as roupas, as casas, até a falsidade, mas a vida real é cheia de mondrongos.  Ainda não matei a esperança, apesar dos sinais de cansaço.

Ligo o ventilador no meio da rua, já que as árvores foram cortadas e não existe mais um pé de vento. Talvez queira chamar atenção mais do que esfriar o tempo e discordar do senhor, que disse que era cedo para sonhar. A vontade não tem momento para nascer.

Agora me vejo entre prédios, pensando em recomeços. Os telhados escondem os segredos de cada lugar, imagino se as casas estivessem descobertas e se fosse possível assistir a prática humana sem cortes e edições.   Penso que os amores da infância eram tão intocáveis. Ainda me vejo com medo de ser feliz.

Minha vontade é de ficar nua, mas tenho medo de falhar. Vou apagar as luzes, esperançar o meu corpo, entrevistar os meus cantos e guardar os meus segredos. Depois de composta, guardo as verdades e volto a pensar no futuro. Queria apenas  me desligar um pouco.

Sobre o autor:

Alexandre Lucas

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.

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